Crise no Clã: O “Abandono” de Michelle, a Fúria de Bolsonaro e a Manobra Desesperada de Carlos

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O castelo de cartas do bolsonarismo está a sofrer abalos sísmicos que vêm de dentro das próprias paredes da família. Entre indicações políticas feitas à revelia, visitas curtas na prisão e renúncias de cargos públicos, o cenário é de “salve-se quem puder”. Entenda como a disputa entre Michelle Bolsonaro e os filhos do ex-presidente está a fragmentar a direita e por que Carlos Bolsonaro tomou uma medida que ninguém esperava.

O verão político brasileiro está a atingir temperaturas de ebulição, mas não é apenas devido às disputas externas. O epicentro da crise atual reside na cela de Jair Messias Bolsonaro e nas salas de estar do Partido Liberal (PL). O que antes era vendido como uma família unida por ideais inabaláveis, revela-se agora uma arena de gladiadores onde o prémio é a sucessão do trono da direita. No centro deste furacão estão Michelle Bolsonaro, o “ativo político” mais valioso do partido, e os filhos do ex-presidente, que veem a sua influência ser ameaçada pela ascensão da ex-primeira-dama.

A Traição da Indicação: Flávio versus Michelle

A gota de água que fez transbordar o copo da paciência de Michelle aconteceu há pouco mais de uma semana. Sem qualquer consulta prévia à esposa, Jair Bolsonaro — através do filho Flávio — anunciou que o Senador Flávio Bolsonaro seria o seu candidato oficial à presidência. O anúncio foi visto como uma “traição imperdoável” por Michelle, que vinha de uma sequência de vitórias políticas internas.

Apenas 48 horas antes, Michelle tinha conseguido derrotar a estratégia dos três filhos de Bolsonaro (Flávio, Eduardo e Carlos), que tentavam costurar uma aliança com Ciro Gomes para as próximas eleições. Michelle, utilizando a sua base fiel no “PL Mulher”, conseguiu mobilizar o núcleo duro do bolsonarismo contra a ideia, deixando os filhos do ex-presidente numa posição de humilhação pública. A resposta de Jair, ao indicar Flávio, foi interpretada como um castigo direto à ambição de Michelle.

O “Abandono” e o Luto Seletivo

A reação de Michelle foi imediata e calculada. Alegando necessidade de cuidar da saúde devido à tristeza profunda causada pela prisão do marido, a ex-primeira-dama afastou-se das atividades políticas. No entanto, o que chamou a atenção dos observadores foi o facto de ela ter passado uma semana inteira sem visitar Bolsonaro na prisão.

Michelle só solicitou a visita na passada sexta-feira, e o encontro terá ocorrido sob um clima de gelo absoluto. Fontes ligadas ao Valdemar Costa Neto — que parece ter tomado o partido de Michelle nesta guerra familiar — indicam que ela não foi para confortar o marido, mas sim para cobrar o espaço que lhe é de direito. No PL, o ranking de alcance é claro: Nikolas Ferreira lidera, seguido imediatamente por Michelle. Os filhos de Bolsonaro, embora influentes, estão a perder terreno para o carisma religioso e popular de Michelle, e o ex-presidente parece estar a tentar travar esse avanço para proteger a sua linhagem de sangue.

Carlos Bolsonaro: A Renúncia e a Fuga para o Sul

Enquanto o casal presidencial troca farpas através de intermediários, Carlos Bolsonaro, o “02”, tomou uma decisão drástica que apanhou o Rio de Janeiro de surpresa. Carlos renunciou oficialmente ao seu cargo de vereador. Sem cargo público pela primeira vez em décadas, o filho do ex-presidente anunciou que irá concorrer ao Senado por Santa Catarina.

Esta medida é vista como um movimento de sobrevivência e, simultaneamente, de ataque. No Rio, a família Bolsonaro sente o cerco apertar e a popularidade sofrer desgastes. Em Santa Catarina, o reduto mais bolsonarista do Brasil, Carlos espera encontrar um porto seguro. Contudo, esta manobra colocou-o em rota de colisão com aliados históricos como Esperidião Amin, que é o relator da polémica “Lei da Dosimetria”. A guerra interna em Santa Catarina promete ser sangrenta, com Carlos a tentar escantear nomes tradicionais da direita para garantir a sua própria imunidade futura.

A Cartada Médica: Emergência ou Estratégia?

Paralelamente à crise familiar, os advogados de Bolsonaro tentam uma última cartada para tirar o ex-presidente da cela: a saúde. Um pedido de cirurgia de emergência foi apresentado a Alexandre de Moraes, baseado num laudo de um médico particular que utilizou um aparelho de ultrassom portátil para detetar hérnias intestinais.

No entanto, a credibilidade desta “emergência” é nula perante o Judiciário. Recorde-se o episódio da “UTI Fake”, onde Bolsonaro foi mantido sob vigilância médica duvidosa para evitar depoimentos à Polícia Federal. Alexandre de Moraes, ciente do historial de simulações, negou a urgência e determinou que qualquer procedimento só será avaliado após uma perícia realizada por médicos isentos da Polícia Federal. O isolamento de Bolsonaro é agora total: médico, político e, cada vez mais, afetivo.

O Destino da “Lei da Dosimetria”

A grande esperança de Bolsonaro para sair da prisão — ou pelo menos ir para regime domiciliar — era a aprovação da Lei da Dosimetria. Este projeto, que beneficiaria criminosos de várias estirpes ao reduzir penas de forma generalizada, está agora “no telhado”. Com a revolta popular vista nas manifestações e a resistência de senadores como Alessandro Vieira, que propõem textos alternativos, a lei dificilmente passará como o Centrão desejava.

O próprio relator, Esperidião Amin, ao ver Carlos Bolsonaro tornar-se seu adversário direto em Santa Catarina, perdeu o incentivo para fazer favores legislativos ao clã. O pragmatismo político está a sobrepor-se à lealdade ideológica.

Conclusão: O Fim da Era da Unidade

O que estamos a presenciar é o desmoronamento do mito da união granítica do bolsonarismo. Michelle Bolsonaro já não aceita ser apenas a “mulher submissa” atrás do grande homem; ela quer ser o próprio homem forte do partido. Carlos Bolsonaro foge da sua base histórica em busca de uma sobrevivência que parece cada vez mais incerta sem o foro privilegiado. E Jair Bolsonaro, preso e isolado, vê-se no meio de uma briga de herdeiros que ele próprio alimentou.

O “Tic-Tac” da justiça continua a correr, e agora sem a proteção de uma família unida, o caminho de Bolsonaro parece levar apenas a um destino: o esquecimento por parte daqueles que ele mesmo ensinou a serem implacáveis na busca pelo poder. A luta contra a caixa fascista continua, mas agora, eles estão a encarregar-se de se destruir uns aos outros.