O cenário artístico e político brasileiro foi sacudido no último final de semana por uma sequência de eventos que mistura música sertaneja, política institucional e cifras astronômicas vindas dos cofres públicos. O protagonista da vez é o cantor Zezé Di Camargo, que, em um momento de fúria capturado em vídeo, direcionou ofensas gravíssimas às filhas do saudoso comunicador Silvio Santos. O desdobramento, contudo, tomou um rumo inesperado: enquanto o cantor criticava a “prostituição” institucional, documentos públicos revelavam um pagamento de R$ 500 mil ao artista por um único show em uma pequena cidade do sertão pernambucano.

O Estopim: A Inauguração do SBT News

Tudo começou com o lançamento do portal SBT News. Em um movimento estratégico para consolidar sua presença no jornalismo digital, a emissora reuniu diversas autoridades, incluindo o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. O evento, que visava celebrar o legado democrático de Silvio Santos e a nova fase da empresa sob o comando de suas herdeiras, serviu de palco para discursos sobre a recuperação econômica do país.

Lula, em sua fala, não poupou críticas aos analistas do mercado financeiro que, segundo ele, erraram sistematicamente todas as previsões pessimistas para 2023 e 2024. O presidente destacou que, ao contrário do que foi pregado por setores da imprensa, a inflação caiu, o desemprego atingiu níveis historicamente baixos e o PIB cresceu. Essa presença institucional, no entanto, foi o que desencadeou a ira de Zezé Di Camargo.

O Ataque às Filhas de Silvio Santos

Conhecido por seu fervoroso apoio ao bolsonarismo nos últimos anos, Zezé Di Camargo gravou um vídeo que rapidamente viralizou nas redes sociais. No registro, o cantor sugere que o especial de Natal que gravou para o SBT seja cancelado, alegando que as filhas de Silvio Santos não estariam honrando o legado do pai ao receberem o atual governo na emissora.

O ponto mais polêmico do vídeo foi o uso do termo “se prostituindo” para descrever a conduta das empresárias Daniela Beyruti e suas irmãs. A declaração foi recebida como uma afronta não apenas à gestão do SBT, mas à dignidade das mulheres envolvidas, gerando uma onda de repúdio imediato em diversos setores da sociedade.

A Reação de Janja: “Machismo e Misoginia”

A primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, utilizou suas redes sociais para rebater as declarações do sertanejo. Em uma nota contundente, Janja classificou as falas de Zezé como um reflexo do machismo estrutural que ainda tenta cercear o espaço das mulheres em posições de liderança e poder.

“Falar que as filhas de Silvio Santos estão se ‘prostituindo’ ao convidar o presidente da República reflete todo o machismo e a misoginia presentes no pensamento de homens que desrespeitam a presença feminina em espaços de decisão”, afirmou a primeira-dama. Ela ainda reforçou que o jornalismo deve ser feito com respeito e imparcialidade, algo que Silvio Santos sempre prezou, e parabenizou o SBT pela iniciativa democrática.

O Escândalo dos R$ 500 Mil em São José do Egito

Enquanto o debate sobre a ética e a polidez de Zezé dominava as conversas, uma descoberta no Diário Oficial da União trouxe uma camada ainda mais complexa ao caso. Foi revelado um contrato no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para um show do cantor na cidade de São José do Egito, em Pernambuco, agendado para janeiro de 2025.

O que chama a atenção de especialistas e órgãos de controle é a proporcionalidade do gasto. São José do Egito é um município com cerca de 30 mil habitantes. Se cada cidadão da cidade — de recém-nascidos a idosos — pagasse um ingresso proporcional, o valor dificilmente cobriria o cachê do artista, sem contar os custos de produção, palco e iluminação.

A verba, oriunda da Secretaria Municipal de Cultura com indícios de repasses federais, levanta questionamentos sobre as prioridades da administração pública. Em uma cidade de pequeno porte, onde o saneamento básico, a saúde e a educação frequentemente enfrentam carências, o investimento de meio milhão de reais em uma apresentação de pouco mais de uma hora de um artista em declínio vocal — como muitos internautas apontaram após vídeos recentes de sua voz “falhando” — parece, no mínimo, questionável.

O Declínio Artístico e a “Voz de Galo Rouco”

Além das polêmicas políticas, a performance técnica de Zezé Di Camargo também virou alvo de chacota. Vídeos de shows recentes mostram o cantor lutando para atingir notas que, no passado, eram sua marca registrada. Críticos musicais e fãs notaram uma rouquidão excessiva e falhas graves na afinação, o que levou internautas a compararem sua voz atual a uma “taquara rachada”.

A pergunta que fica no ar é: como um artista que cobra cachês de meio milhão de reais do erário público justifica uma entrega técnica tão aquém de sua fama? A discrepância entre o discurso de “cidadão de bem” e conservadorismo, e a prática de ataques misóginos e recebimento de verbas vultosas de prefeituras pobres, coloca Zezé em uma posição delicada perante a opinião pública.

Conclusão: Entre a Justiça e o Palco

O caso agora deve seguir para o Ministério Público. Há uma crescente pressão popular e de coletivos jurídicos para que contratos dessa magnitude em municípios pequenos sejam investigados por suspeita de superfaturamento ou desvio de finalidade. Artistas como Gusttavo Lima e Leonardo já passaram por situações semelhantes, onde shows foram cancelados por determinação judicial devido ao uso irresponsável do dinheiro público.

Zezé Di Camargo, que um dia foi a voz romântica do Brasil ao lado de Luciano, parece agora mais focado em uma guerra ideológica que, ironicamente, acaba iluminando os privilégios que ele mesmo usufrui do sistema que tanto critica. Enquanto isso, o legado de Silvio Santos segue nas mãos de suas filhas, que parecem decididas a manter o SBT como uma ponte de comunicação com todos os brasileiros, independentemente de inclinações partidárias.

Resta saber se o público continuará a aplaudir um ídolo que, ao tentar defender seus ideais, acaba por atacar a honra de mulheres trabalhadoras e se beneficiar de cifras que fazem falta na ponta do serviço público brasileiro. O show, pelo visto, não pode continuar dessa maneira.