O suor alheio às vezes cheira melhor que o próprio perfume, especialmente quando esse perfume só serve para disfarçar o cheiro de naftalina e solidão de um casamento morto. Eram 3 da tarde na fazenda Santa Cruz. O sol caía a prumo sobre o canavial, fazendo o ar vibrar com o calor.

Qualquer pessoa sensata estaria dormindo a sesta no frescor da casa grande, atrás das cortinas de veludo fechadas. Mas dona Constança de Braganza não estava dormindo. Estava escondida atrás do tronco grosso de um jequitibá centenário, com suas saias de seda francesa levantadas para não se sujar de lama e seus sapatos de verniz afundando na terra úmida.

Seu coração batia tão forte que temia que o som espantasse os pássaros. Mas não estava ali por medo, estava ali por fome. A 10 metros dela, em um clareira oculta entre as altas paredes de cana-de-açúcar, duas figuras se moviam. Eram Bento e Jandira. Bento era o ferreiro da fazenda, um homem negro de costas largas, com músculos forjados a golpe de martelo e fogo.

Jandira era a lavadeira, uma mulher de pele escura e riso fácil que caminhava com a graça de uma rainha sem coroa. Constança os observava. Seus olhos verdes, normalmente frios e altivos, estavam agora cravados na cena com uma intensidade febril. Viu como Bento deixava cair sua camisa de linho grosseiro no chão.

Viu como Jandira passava um pano úmido por seu peito brilhante de suor, não com servilismo, mas com adoração. Viu como ele sussurrava algo em seu ouvido que a fazia jogar a cabeça para trás e rir suavemente, e então viu o beijo. Não foi um beijo rápido, foi um beijo faminto, desesperado, um beijo de duas pessoas que sabem que o mundo lhes pertence apenas naquele instante roubado.

Dona Constança apertou a casca da árvore com suas unhas cuidadas até se ferir. Sentiu um líquido quente e amargo subir pela garganta. Não era nojo. Que Deus a perdoasse. Não era nojo. Era inveja. Uma inveja pura, tóxica e violenta. Ela, a dona de tudo aquilo, a dona da terra, da cana e das próprias vidas daquelas duas pessoas, nunca havia sido tocada assim, nunca havia sido olhada assim.

Bem-vindos ao Ecos da Colônia. Hoje entramos no terreno perigoso onde o desejo se cruza com o poder absoluto. Vamos ser testemunhas de como a obsessão de uma mulher rica pela felicidade de seus escravos se torna uma armadilha mortal. Mas antes de continuarmos espiando atrás da árvore, preciso me conectar com você que está do outro lado.

Pare o que está fazendo por um segundo e vá aos comentários. O que você está fazendo agora enquanto me ouve? Está cozinhando o jantar, dirigindo de volta para casa ou está na cama tentando dormir? Adoro saber em que parte da sua rotina eu entro. Conte-me abaixo. Pronto. Voltemos ao canavial.

A senhora está prestes a tomar uma decisão terrível. Para entender o veneno que corria pelas veias de Constança, é preciso conhecer sua gaiola de ouro. Constança tinha 32 anos e uma beleza afiada, daquelas que cortam se você se aproximar demais. Estava casada há 10 anos com o coronel Aurélio, um homem que tinha o triplo da sua idade.

O coronel era o homem mais rico da província, mas cheirava a tabaco rançoso e a remédio. Em seu leito matrimonial não havia paixão, havia silêncio. O coronel, impotente há anos, limitava-se a lhe dar boa noite e a roncar. Constança era uma mulher na plenitude de sua vida, condenada a ser uma boneca de porcelana em uma vitrine fechada.

Tinha joias, tinha vestidos de Paris, tinha o respeito da sociedade, mas estava morrendo de frio por dentro. Por isso começou a espiar. No início foi casualidade. Um dia, cavalgando sozinha, os viu junto ao rio. Parou, ficou olhando e algo despertou nela. Uma curiosidade mórbosa. Começou a segui-los. Aprendeu seus horários.

Sabia que Bento escapava da ferraria na hora de maior calor, quando os feitores dormitavam. Sabia que Jandira deixava os cestos de roupa meio lavados para correr ao encontro dele. Constança viciou-se nas vidas deles. Naquela tarde, escondida atrás do jequitibá, a tortura foi maior do que nunca.

Viu Bento levantar Jandira em seus braços como se fosse uma pluma. Viu como a apoiava contra o tronco de uma árvore caída. Viu a mão dele, grande e calosa, acariciar o rosto dela com uma delicadeza infinita. “Minha vida”, ouviu Bento dizer. Sua voz era grave, profunda. “Aguenta só mais um pouco. Estou juntando moedas. Vou comprar sua liberdade.”

Jandira acariciou o peito dele. “Não preciso de liberdade se não for com você, Bento. Minha liberdade é você.” Essas palavras atingiram Constança como um bofetão. “Minha liberdade é você.” Constança olhou para as próprias mãos cheias de anéis de diamantes. Ela era livre, podia ir aonde quisesse, mas não tinha ninguém que fosse sua liberdade.

Era escrava de sua solidão. De repente, um galho estalou sob o pé de Constança. Na clareira, Bento ficou tenso, virou-se rapidamente para as árvores, cobrindo o corpo de Jandira com o seu. “Quem está aí?”, perguntou com voz de alerta. Constança congelou. Seu coração martelava. Se a descobrissem ali, agachada como uma ladra, seria uma humilhação insuportável.

Uma senhora branca espiando seus escravos. Prendeu a respiração. Bento esperou alguns segundos, depois relaxou os ombros. “Deve ser um animal, um tatu.” Jandira riu nervosamente, “Ou o Curupira vigiando os apaixonados.” Voltaram a se beijar, mas o feitiço havia se quebrado para Constança. O medo de ser descoberta transformou-se em raiva.

Por que eles podiam ser felizes? Por que eles, que não tinham nada, que comiam sobras e dormiam em esteiras de palha, tinham direito àquele fogo sagrado? Ela era a dona. Ela os havia comprado. Portanto, aquele amor também era seu. Aquela paixão lhe pertencia por direito de propriedade. Constança deu meia-volta e caminhou de regresso à casa grande. Não correu.

Caminhou com passo firme, com o queixo erguido, esmagando as flores silvestres sob suas botas. Ao chegar à mansão, entrou pela porta traseira, subiu aos seus aposentos, tirou o vestido manchado de terra e lavou o rosto com água de rosas. Olhou-se no espelho, viu uma mulher bonita, mas com os olhos vazios.

“Acabou”, disse para o seu reflexo. “Se eu não posso ter, ela também não terá. E se esse fogo existe nas minhas terras, eu vou me queimar nele.” Tocou uma sineta de prata. Minutos depois, Anselmo, o feitor de confiança, um homem que não fazia perguntas se o pagamento fosse bom, entrou no quarto. “Senhora?”, perguntou Anselmo tirando o chapéu sujo.

Constança estava sentada em sua penteadeira, escovando o cabelo longo e escuro. Não se virou para olhá-lo. “Anselmo, você conhece a lavadeira? Uma tal Jandira?” “Sim, senhora, a mulata bonita, essa mesma.” Constança deixou a escova sobre a mesa. O golpe soou seco. “Esta noite, quando todos dormirem, quero que a traga para a casa, mas não pela porta principal.”

“Leve-a para o porão velho, para o quarto dos vinhos.” Anselmo franziu a testa. O porão dos vinhos não era usado para castigos. Era um lugar escuro, úmido e isolado. “Ela roubou algo, senhora? Quer que eu prepare o chicote?” Constança virou-se lentamente. Seus olhos brilhavam com uma luz perigosa. “Não, Anselmo, ela não roubou nada ainda, mas tem algo que é meu.”

Levantou-se e caminhou até a janela, olhando para as senzalas dos escravos que começavam a acender suas fogueiras para o jantar. “Tranque-a lá, não lhe deem água nem comida e que ninguém saiba onde ela está. Especialmente o ferreiro Bento. Se ele perguntar, diga que a mandei à cidade fazer um recado.” “Como ordenar, senhora.”

“E Anselmo”, acrescentou ela, justo quando o feitor ia sair. “Amanhã à noite traga-me o Bento, mas não o traga à força. Diga… diga que a senhora quer falar com ele sobre a liberdade de Jandira.” Anselmo assentiu e saiu fechando a porta. Constança ficou sozinha. Sorriu. Um sorriso triste e terrível. Havia montado a armadilha.

Sabia que Bento faria qualquer coisa por Jandira. Sabia que ele caminharia sobre brasas se pensasse que isso a salvaria. Ela ia usar esse amor, ia usar essa devoção cega. Tocou o peito, imaginando as mãos grandes e calosas do ferreiro, imaginando o suor, a força, o cheiro de homem. “Amanhã”, sussurrou, amanhã a escuridão seria sua aliada.

Amanhã ela deixaria de ser a espectadora para se tornar a protagonista, embora para isso tivesse que destruir duas vidas, embora para isso tivesse que se tornar um monstro, porque a inveja é como a sede de água salgada. Quanto mais você bebe, mais sede tem, até que a loucura é a única coisa que resta. O porão de vinhos da fazenda Santa Cruz não foi feito para abrigar pessoas, foi feito para conservar colheitas de Bordéus e Porto na escuridão fresca e silenciosa.

O ar cheirava a cortiça úmida, a pó antigo e a uvas fermentadas. Jandira estava trancada ali há 12 horas. No início, pensou que fosse um erro. Anselmo, o feitor, a havia agarrado enquanto ela estendia a roupa, tapado sua boca com uma mão que cheirava a tabaco e a arrastado até ali sem lhe dizer uma palavra.

“O que eu fiz?”, perguntou ela quando ele a empurrou para dentro. “A senhora tem planos.” Foi a única coisa que ele disse antes de fechar a pesada porta de madeira reforçada com ferro. Agora, sentada no chão de pedra fria, abraçando os joelhos, Jandira sentia um medo que não cabia em seu peito. Não era medo do chicote, a isso a pessoa se acostuma. Era medo do desconhecido.

Por que a senhora? Dona Constança nunca descia às áreas de serviço. Constança era uma deusa distante que flutuava pelos corredores de cima. Jandira pensou em Bento. “Meu Bento estará me procurando”, pensou. “Quando vir que não chego à senzala, ele virá.” Mas essa esperança era também seu maior terror. Porque se Bento viesse procurá-la na casa grande, o matariam.

Um escravo não entra na mansão sem permissão. Na escuridão absoluta, Jandira ouviu o correr de um rato. Encolheu-se ainda mais. “Bento”, sussurrou, “não faça nenhuma loucura.” Enquanto isso, na ferraria, o fogo da forja estava se apagando. Bento batia no ferro com uma fúria mecânica. Clã, clã, clã. Cada golpe era uma pergunta sem resposta.

Jandira não havia aparecido na hora do jantar. Ninguém a tinha visto no rio. As outras lavadeiras desviavam o olhar quando ele perguntava. “Negro”, disse uma voz às suas costas. Bento virou-se com o martelo na mão. Anselmo estava na porta, recortado contra a luz do luar. “Onde ela está?”, perguntou Bento dando um passo à frente. Não abaixou o martelo.

Naquele momento, o desespero pesava mais que a obediência. Anselmo sorriu, uma careta torta sob seu bigode grisalho. Não parecia assustado. “Calma, ferreiro. A moça está a salvo. Está na casa grande.” “Na casa? Para quê?” “A senhora Constança quer vê-la. Parece que ganhou afeição por ela.” Bento franziu a testa.

Isso não fazia sentido. A senhora não ganhava afeição por ninguém. “Quero vê-la.” “E você verá”, disse Anselmo. “De fato, a senhora manda chamar você também. Diz que tem uma proposta, algo sobre papéis.” Bento sentiu o coração dar um salto. Papéis, liberdade. Ela tinha ouvido suas preces? Ele vinha economizando cada moeda que encontrava ou ganhava fazendo trabalhos extras para vizinhos, mas mal tinha o suficiente para comprar uma mão de Jandira.

Será que a senhora, num capricho de bondade, ia ajudá-los? Abaixou o martelo. A esperança é um veneno doce. “Agora, agora lave as mãos. Você não vai entrar no quarto da senhora cheirando a fuligem.” Bento lavou-se apressadamente no bebedouro dos cavalos. Vestiu sua única camisa limpa. Seguiu Anselmo pelo caminho de pedra que levava à entrada traseira da mansão.

Nunca tinha entrado ali. A casa grande era um território proibido, um palácio de mistérios. Subiram pela escada de serviço. O ar mudou. Deixou de cheirar a terra e fumaça e começou a cheirar a cera de abelha, lavanda e madeiras caras. Chegaram a uma porta de carvalho entalhado. Anselmo bateu duas vezes.

“Adiante”, disse uma voz lá de dentro. Anselmo abriu a porta, empurrou Bento para dentro e fechou por fora. Clac. O som da chave girando foi sutil, mas definitivo. Bento ficou parado piscando. O quarto estava na penumbra. As cortinas de veludo pesado estavam fechadas. A única luz vinha de dúzias de velas espalhadas pelo aposento, criando um jogo de sombras douradas e trêmulas.

Fazia calor ali, um calor perfumado, sufocante. “Aproxima-te, Bento.” Dona Constança estava sentada numa poltrona estilo Luís XV, estofada em seda vermelha. Vestia um robe de renda preta quase transparente que deixava ver a silhueta do seu corpo, mas ocultava os detalhes. Seu cabelo escuro caía solto sobre os ombros, selvagem, muito diferente do penteado rígido que usava de dia.

Bento baixou a vista imediatamente. Olhar para a esposa do senhor assim era sentença de morte. “Senhora… Anselmo disse que… disse que Jandira estava aqui.” Constança levantou-se, caminhou descalça sobre o tapete persa. Não fazia ruído. Parecia um gato espreitando um rato. “Jandira está a salvo”, disse ela rodeando Bento.

“Por enquanto…” Bento ficou tenso. “Por enquanto?” Constança parou à frente dele. Estava tão perto que Bento podia sentir o calor que emanava de sua pele. “Levanta a cabeça, ferreiro. Olha para mim.” Bento obedeceu com dificuldade, levantou a vista, encontrou os olhos verdes de Constança. Brilhavam com uma mistura de loucura e desejo que ele não soube interpretar.

“Ela cometeu uma falta grave”, mentiu Constança suavemente. “Roubou uma joia, um colar de pérolas do meu porta-joias.” “Isso é mentira!”, soltou Bento sem pensar. “Jandira não rouba. Ela é honesta.” “A joia sumiu e ela foi a última a limpar meu quarto.” Constança deu de ombros, indiferente à verdade. “O castigo por roubo é o tronco, 300 chibatadas, e depois a venda para as minas de ouro, onde morrerá em 6 meses.”

Bento sentiu o chão sumir. As minas eram o inferno na terra e o tronco… Jandira não sobreviveria a 300 açoites. “Não”, sussurrou caindo de joelhos. “Senhora, eu lhe suplico. Não foi ela. Castigue a mim. Eu tomo o lugar dela.” Constança sorriu. Era exatamente o que queria ouvir, aquela devoção, aquele sacrifício absoluto.

Inclinou-se e tocou o rosto de Bento. Seus dedos eram frios, suaves, mas seu toque queimava como gelo seco. “Você faria isso? Sofreria por ela?” “Qualquer coisa. Minha vida pela dela.” “Não quero sua vida, Bento. Sua vida já é minha. Sou sua dona”, sussurrou ela, aproximando seu rosto do dele. “Quero algo mais difícil.” Afastou-se e caminhou para a cama com dossel, coberta de lençóis de cetim branco.

“Sinto-me sozinha, Bento”, disse mudando o tom para um falsamente vulnerável. “O coronel dorme na ala leste. Faz anos que não entra aqui. Faz anos que ninguém me olha como você olha para essa lavadeira.” Bento ficou paralisado. Começou a entender e o horror da compreensão foi pior que o medo do chicote. “Você tem um fogo dentro, ferreiro”, continuou ela, passando a mão pela coluna da cama.

“Eu o vi hoje no canavial. Vi como você a beijava. Vi como a tocava.” “Senhora…” Bento tentou levantar-se para recuar, mas as pernas falharam. “Esta é a proposta”, disse Constança cortante como uma faca. “Jandira está no porão, viva, sem um arranhão. Se você me der o que dá a ela, se você me fizer sentir o que ela sente, amanhã ao amanhecer abrirei a porta e lhes darei um salvo-conduto para irem ao povoado.”

“Não posso”, arquejou Bento. “É pecado. A senhora é a senhora. Eu sou…” “Esqueça quem eu sou!”, gritou ela de repente perdendo a compostura. “Esta noite não sou a senhora. Sou uma mulher e você é um homem.” Respirou fundo recuperando o controle. “Você tem duas opções, Bento. Sai por essa porta agora mesmo e amanhã de manhã Jandira será esfolada no pátio diante de todos. Ou fica.”

Bento fechou os olhos. Imaginou as costas de Jandira abertas pelo chicote. Imaginou seus gritos. Imaginou seu corpo quebrado sendo carregado num carro para as minas. Amava Jandira mais do que sua própria dignidade, mais do que sua própria alma. “Promete que não tocará nela?”, perguntou ele com voz morta. “Promete que a deixará livre?”

“Juro pela minha honra”, mentiu Constança. Não tinha honra, mas Bento não tinha escolha. Constança caminhou até as velas, começou a apagá-las uma por uma. “Apagarei a luz”, disse ela. Sua voz tremia de antecipação. “No escuro todos os gatos são pardos, Bento. No escuro você não verá a senhora e eu… eu poderei imaginar que você me ama.”

O quarto foi ficando na penumbra. “Tira a camisa”, ordenou ela da sombra junto à cama. Bento pôs-se de pé. Suas mãos tremiam enquanto desabotoava os botões de sua camisa. Sentia-se sujo. Sentia-se um traidor, mas era um traidor que estava salvando uma vida. Tirou a camisa. O ar perfumado do quarto atingiu sua pele.

Tão diferente do ar livre do canavial. “Vem aqui”, sussurrou Constança. Bento caminhou para a cama. Não sabia que estava entrando numa armadilha da qual não se sai com salvo-condutos. Não sabia que Constança não queria apenas seu corpo. Queria roubar sua alma. Queria que ele atuasse. “Beija-me”, disse ela na escuridão total.

“Mas não me beije a mim, beije a ela. Chame-me pelo nome dela. Diga o nome dela, Bento. Diga ou ela morre.” Bento engoliu em seco. Sentiu as mãos de Constança agarrando seus ombros. “Jandira”, sussurrou ele com lágrimas nos olhos, fechando-os para não ver a realidade. “Jandira.” E enquanto Bento entregava seu corpo para salvar seu amor, no porão, três andares abaixo, Jandira gritava batendo na porta, sentindo em seu coração que algo terrível, algo pior que a morte, estava ocorrendo lá em cima.

A inveja tinha ganhado a primeira batalha. Constança tinha o corpo, mas poderia suportar tê-lo sabendo que a mente dele estava em outra parte. O amanhecer é o juiz mais cruel de todos. A escuridão tem a piedade de esconder os pecados, mas a luz do sol os revela com uma clareza brutal. Quando o primeiro raio de luz se infiltrou pelas cortinas de veludo do quarto principal, Bento já estava acordado.

Na verdade, não tinha dormido. Estava sentado na beira da cama com a cabeça entre as mãos, olhando para as suas próprias botas sujas sobre o tapete imaculado. Sentia-se vazio, sentia-se como se lhe tivessem arrancado a pele em tiras. Atrás dele, entre os lençóis de seda revolvidos, dona Constança dormia.

Sua respiração era suave, tranquila. Em seu rosto havia uma expressão de paz que Bento nunca tinha visto nela. Parecia uma criança que acaba de receber o brinquedo que tanto desejava. Bento vestiu a camisa com mãos trêmulas. Queria sair dali. Queria correr para o rio e esfregar a pele com areia até sangrar para tirar o cheiro de perfume francês e desespero.

Mas não podia ir embora. Tinha que cobrar seu preço. “Já vai embora?” A voz de Constança soou às suas costas. Rouca, preguiçosa. Bento virou-se. Ela estava acordada, apoiada nos cotovelos olhando para ele. Não se cobriu com o lençol. Não tinha vergonha. Em seus olhos já não havia a frieza da patroa. Havia um brilho úmido, pegajoso.

“Amanheceu, senhora”, disse Bento com a voz seca. “Tenho que voltar para a ferraria antes que o feitor note minha ausência.” Constança sorriu e esticou os braços. “Ninguém notará nada, Bento. Eu sou a dona do tempo nesta casa.” Bento deu um passo em direção à cama, cerrando os punhos. “Cumpri minha parte, senhora.”

“Fiz o que pediu. Agora… Agora quero o salvo-conduto. Quero a chave do porão. Quero a Jandira.” O sorriso de Constança vacilou por um segundo, mas não desapareceu. Transformou-se em algo mais duro. “Ah, Jandira.” Levantou-se da cama nua e caminhou para a penteadeira. Bento desviou o olhar para o chão, humilhado pela intimidade forçada.

“Sabe, Bento?”, disse ela escovando o cabelo. “Ontem à noite foi revelador. Você me chamou pelo nome dela. Gritou Jandira. Quando estava comigo, foi convincente.” “Era o trato”, murmurou Bento. “Sim, mas houve um momento, logo no final, quando você me olhou nos olhos e por um segundo, Bento, apenas um segundo, você não estava atuando. Sentiu prazer.”

“Senti no seu corpo.” Bento sentiu náuseas. Era verdade. A biologia o tinha traído. Seu corpo de homem tinha reagido ao contato de uma mulher bonita, apesar de sua mente a odiar. Aquela pequena traição física era o que mais lhe doía. “Deixe-a ir”, insistiu ele. Constança deixou a escova, virou-se, seu rosto obscureceu.

“Não posso.” O mundo de Bento parou. “O quê?” “Não posso deixá-la ir hoje. Se a libertar agora, vocês fugirão, irão para longe e eu… eu voltarei a estar sozinha nesta casa fria.” “A senhora jurou!”, gritou Bento esquecendo o protocolo. “Jurou pela sua honra.” “A minha honra não me aquece à noite!”, gritou ela de volta com os olhos injetados de loucura.

“Escuta bem, ferreiro. Ontem à noite provei a vida. Provei o que é ser amada, mesmo que fosse uma mentira. E é uma droga. Não posso voltar à dieta de fome depois de ter provado o banquete.” Aproximou-se dele agarrando sua camisa. “O trato mudou. Jandira fica no porão. Será bem alimentada. Terá mantas limpas.”

“Não será castigada, mas não sairá.” “Para sempre?”, perguntou Bento horrorizado. “Até que eu me canse”, sussurrou Constança, “ou até que você aprenda a me amar de verdade. Voltará esta noite, Bento, e na seguinte e na seguinte, e cada noite que me fizer sentir viva, Jandira viverá um dia mais. Se me falhar, se não vier, ela paga.”

Bento olhou-a com um ódio tão puro que poderia ter queimado a casa. Quis estrangulá-la ali mesmo. Suas mãos de ferreiro poderiam ter quebrado o pescoço dela num segundo, mas se o fizesse, Jandira morreria trancada no porão ou enforcada pelo coronel quando descobrissem o cadáver de sua esposa. Estava preso. Era um escravo duas vezes.

Escravo da lei e escravo da chantagem. “A senhora é um monstro”, disse ele. Constança acariciou-lhe a bochecha. “Sou uma mulher apaixonada, Bento, e o amor faz monstros de todos nós. Agora vá, trabalhe duro. Esperarei por você quando a lua sair.” Os dias seguintes foram um pesadelo borrado. Bento trabalhava na ferraria como um autômato.

Batia no ferro sem sentir o calor, sem sentir o cansaço. Seus companheiros notavam-no estranho, pálido, com olheiras profundas. Perguntavam por Jandira. “A senhora mandou-a para a cidade”, mentia Bento com a garganta seca, “aprender costura fina.” Ninguém acreditava totalmente nele, mas ninguém se atrevia a questionar os caprichos da casa grande.

Mas a verdadeira tortura começava ao anoitecer. Todas as noites Anselmo vinha buscá-lo, levava-o pela escadaria de serviço e todas as noites Bento tinha que deixar sua alma na porta e entrar no quarto perfumado para vender seu corpo em troca da vida de Jandira. Constança tornou-se cada vez mais exigente. Já não queria que apagasse as luzes.

Queria vê-lo, queria que olhasse para ela, comprava roupas finas para Bento, dava-lhe vinho, tentava civilizá-lo, convertê-lo no amante nobre que seu marido não era. E o mais perverso era que às vezes descia ao porão, não para soltar Jandira, mas para olhá-la. Jandira continuava trancada entre barris de vinho.

Tinha perdido a noção do tempo. Anselmo levava-lhe comida, frango assado, frutas, sobras da mesa dos senhores, mas não falava com ela. Jandira estava pálida, a falta de sol estava a murchar, mas seu espírito continuava alerta. Um dia ouviu o ruído da chave. Pensou que fosse Anselmo com a comida, mas a porta abriu-se e entrou dona Constança.

Jandira encolheu-se num canto tapando os olhos perante a luz do candelabro. “Senhora”, sussurrou com a voz quebrada. Constança ficou de pé olhando para ela. Vestia um vestido novo de seda azul. Parecia radiante, rejuvenescida. “Olá, Jandira”, disse Constança. “Onde está o Bento?”, foi a primeira coisa que a escrava perguntou. “Ele está vivo?” Constança sorriu.

“Oh, sim, está muito vivo. Bento é incansável.” Jandira sentiu um calafrio, algo no tom da senhora, algo no seu brilho… disse-lhe que algo estava terrivelmente errado. “Por que me tem aqui?”, chorou Jandira. “Se roubei algo sem saber, mate-me, mas deixe-me ver o sol.” “Você não roubou nada, tonta”, disse Constança aproximando-se.

“Pelo contrário, deu-me um presente. Bento vem ver-me todas as noites para falar da sua liberdade. E essas conversas são muito prazerosas.” Jandira entendeu. Foi como se lhe tivessem cravado um punhal no ventre. Entendeu por que estava viva. Entendeu o preço. Bento estava a vender-se. Bento estava a deitar-se com a senhora para mantê-la a respirar.

“Não!”, gritou Jandira tentando levantar-se. “Diga-lhe para parar. Prefiro morrer. Não lhe toque!” Constança riu. Uma risada cristalina e cruel. “É tarde para isso, querida. Ele já não é seu. Quando está comigo, ele geme. E embora às vezes sussurre o seu nome, sou eu quem recebe o seu calor. Sou eu quem o tem.” Constança deu meia-volta para sair. “Come, Jandira, mantém-te forte.”

“Enquanto você respirar, ele continuará vindo à minha cama. Você é a minha garantia.” Fechou a porta. Jandira ficou na escuridão gritando, unhando a madeira até que suas unhas sangraram. A dor da traição forçada era pior que o encerramento. Seu amor estava sendo usado como moeda de troca num bordel de luxo. Duas semanas passaram assim.

A fazenda Santa Cruz parecia tranquila por fora, mas por dentro estava a apodrecer. O coronel Aurélio, o marido de Constança, não era um homem observador, mas também não era estúpido. Começou a notar mudanças. Notou que sua esposa já não estava amarga e deprimida. Ouvia-a cantarolar pelos corredores. Via que se arrumava mais do que o habitual para jantar sozinha no quarto e notou algo mais inquietante.

Certa noite, o coronel sofria de insônia. Sua velha ferida de guerra doía. Desceu à biblioteca para buscar láudano. Ao passar pelo corredor de serviço, viu uma sombra. Viu Anselmo, o feitor, escoltando um homem alto e forte em direção à escada que subia para os aposentos de sua esposa. O coronel escondeu-se nas sombras, reconheceu as costas largas, reconheceu o ferreiro.

Aurélio não disse nada naquele momento. Subiu ao seu próprio quarto, tirou sua pistola de duelo do estojo de veludo e carregou-a lentamente. Não era ciúme de amor o que sentia. Ele não amava Constança. Era ciúme de propriedade, era orgulho ferido. Um escravo tocando sua mulher era uma mancha que só se lavava com sangue. Mas o coronel era um homem paciente.

Não queria um escândalo, queria uma execução. Esperaria, observaria e quando tivesse a certeza absoluta, faria com que tanto a esposa infiel como o amante forçado desejassem nunca ter nascido. A gaiola de seda estava prestes a tornar-se numa gaiola de ferro e ninguém, nem a dona nem o escravo, viu vir o golpe.

Respiremos fundo um segundo porque o ar nesta história está a ficar irrespirável. Quero agradecer-te de coração por teres chegado até esta terceira parte. Sei que não é uma história fácil. Estamos a ver o lado mais obscuro do ser humano, a manipulação, a chantagem emocional, a destruição da dignidade por capricho.

Se estás a sentir essa mistura de raiva e tristeza pelo Bento e pela Jandira, então estamos conectados. Isso significa que tens sangue nas veias. Mas peço-te uma coisa, não te vás embora agora. O que vem a seguir é o ponto de ruptura. Viste do que Constança é capaz de fazer por amor? Mas o que achas que é capaz de fazer o coronel Aurélio por honra? Prometo-te que a crueldade da esposa não é nada comparada com a fúria do marido.

O desfecho desta história vai ser explosivo e ninguém sairá ileso. Por isso, garante o teu lugar para a próxima parte. Clica no botão de subscrever se ainda não o fizeste e prepara-te porque na fazenda Santa Cruz os segredos pagam-se com a vida. Continuamos. Vamos ver quem sobrevive a esta noite. Dizem que o velho sabe mais por ser velho do que por ser esperto. O coronel Aurélio de Braganza tinha 65 anos, uma perna má e um coração que mal bombeava sangue, mas tinha a paciência de uma aranha que teceu muitas teias. Depois de ver

Anselmo subir com o ferreiro para os aposentos da sua esposa, o coronel não gritou, não correu a derrubar a porta, voltou à sua biblioteca. Serviu-se de um cálice de conhaque, sentou-se na sua poltrona de couro e olhou para o fogo da lareira até que as brasas se tornaram em cinza cinzenta. Pensou: “Podia matar o negro.”

“Isso seria fácil, um tiro na cabeça e atirar o corpo ao rio. Podia fechar a esposa num convento. Isso seria socialmente aceitável.” Mas Aurélio não queria soluções fáceis. Aurélio queria dor. O seu orgulho estava ferido. Não porque amasse Constança — há anos que a via como um móvel caro e decorativo —, mas porque ela tinha quebrado o contrato de propriedade.

Ela tinha permitido que um escravo, uma ferramenta da fazenda, tocasse no que era exclusivo do senhor. E pior ainda, suspeitava que ela desfrutava. “Anselmo”, murmurou o coronel para o fogo. Sabia que o feitor era leal ao dinheiro, não às pessoas. Se Constança lhe pagava para ser alcoviteiro, Aurélio pagaria o dobro para ser carrasco.

Na manhã seguinte, quando o sol mal despontava, o coronel mandou chamar Anselmo às cavalariças, longe dos ouvidos da casa. Ninguém sabe o que foi dito nessa reunião, mas quando Anselmo saiu tinha os bolsos mais pesados e o rosto pálido. Tinha recebido ordens que gelariam o sangue de qualquer um, mas a ganância é um casaco quente.

O dia transcorreu com uma calma aterradora. Constança estava radiante. Passeava pelos jardins cortando rosas, cantarolando uma canção francesa. Acreditava que o seu segredo era impenetrável. Acreditava que tinha Bento domado e Jandira segura sob chave. A arrogância da impunidade cegava-a. Bento na ferraria estava à beira do colapso.

Cada golpe de martelo pesava-lhe uma tonelada. Os seus companheiros olhavam-no de forma estranha. Sabiam que algo se passava. Bento tinha o olhar de um homem que caminha para a forca. Pensava em Jandira. Continuaria viva? Teria comido? Quanto tempo mais poderia manter esta farsa antes de enlouquecer? Ao cair da noite, a rotina macabra começou de novo. Anselmo apareceu na ferraria.

“Vamos, ferreiro. A senhora espera.” Bento limpou a fuligem como um cordeiro que se lava antes do sacrifício. Caminharam em direção à casa grande, mas desta vez algo era diferente. A casa estava demasiado silenciosa. Não havia criados nos corredores. Não havia luz na cozinha, parecia um túmulo gigante.

“Onde estão todos?”, perguntou Bento num sussurro enquanto subiam a escadaria de serviço. “O coronel deu-lhes a noite livre”, mentiu Anselmo com voz neutra. “Disse que queria paz para ler.” Chegaram à porta de Constança. Anselmo abriu, empurrou Bento e fechou com a chave. Lá dentro Constança esperava-o. Desta vez não havia velas por todo o quarto.

Apenas uma, solitária na mesa de cabeceira. “Chegas tarde”, disse ela da cama. Vestia a camisa de noite branca, o cabelo solto. “Estava a começar a ficar impaciente.” Bento ficou junto à porta. Tinha um mau pressentimento, um frio na nuca. “Senhora, hoje há algo estranho. A casa está vazia.”

“Melhor”, disse ela estendendo a mão. “Assim ninguém ouvirá se gritares o meu nome.” Bento fechou os olhos engolindo o seu nojo. Caminhou em direção a ela. Tinha de o fazer por Jandira. Sempre por Jandira. Sentou-se na beira da cama. Constança incorporou-se e abraçou-o afundando o rosto no seu pescoço. “Bento, hoje quero que me digas que me queres. Não à Jandira. A mim. Diz-me.”

Era a escalada final do seu delírio. Queria apagar a outra mulher por completo. “Senhora, por favor…” “Diz!” Nesse momento ouviu-se um ruído. Não veio da porta do corredor. Veio do armário de roupa. Um armário imenso de mogno que ocupava toda uma parede. “Cre!” A porta do armário abriu-se lentamente.

Constança e Bento viraram-se de golpe, congelados. Da escuridão do armário não saiu um monstro, saiu o coronel Aurélio. Estava sentado numa cadeira que tinham metido lá dentro. Tinha um cálice de conhaque numa mão e um revólver Colt de cano longo na outra. “Continuem”, disse o coronel com voz tranquila, quase amável. “Não parem por mim.”

“A cena estava a ficar interessante.” Constança soltou um grito sufocado e cobriu-se com os lençóis, recuando até à cabeceira da cama. “Aurélio, meu Deus, posso explicar!” Bento pôs-se de pé num salto, recuando em direção à parede. Sabia que estava morto. Não havia explicação possível para um escravo no quarto da senhora.

O coronel saiu do armário. Coxeava um pouco, mas a arma não tremia. Apontou a Bento. “Não te mexas, ferreiro. Se respirares fundo, rebento-te os miolos e mancho o tapete.” Depois olhou para a esposa. Olhou-a com uma curiosidade científica, como quem olha para um inseto sob um microscópio. “Explicar?”

“O que vais explicar, querida? Que te sentias sozinha, que o velho já não te servia e tiveste de procurar consolo no gado?” “Ele forçou-me!”, gritou Constança. Foi o seu instinto de sobrevivência imediato. Trair Bento para se salvar. “Entrou aqui, ameaçou-me. Disse que me mataria.” Bento olhou-a incrédulo. Depois de tudo o que ela o tinha obrigado a fazer, agora acusava-o de violação.

Isso significava uma morte lenta e tortuosa. O coronel soltou uma gargalhada seca. “Oh, Constança, sempre foste uma péssima actriz. O Anselmo contou-me tudo. Sei que tu o mandaste trazer. Sei que lhe compraste camisas. Sei que te perfumas para ele.” O rosto de Constança desmoronou-se. “Mas há algo que não bate certo”, continuou o coronel caminhando pelo quarto.

“Por que viria ele? É um escravo. Sim, mas sabe que isto é suicídio. Por que arriscar-se a ser esfolado vivo por uma mulher branca de quem nem sequer gosta?” O coronel parou à frente de Bento, colocou o cano do revólver sob o queixo levantando-lhe a cabeça. “O que lhe deste, esposa minha? Ouro? Liberdade?” Bento não falou.

Olhava fixamente para o coronel aceitando o seu destino. “Não”, disse o coronel farejando o medo no ar. “Foi algo mais forte. Foi chantagem.” O coronel sorriu. Tirou uma chave do bolso, uma chave de ferro grande e oxidada. Levantou-a para que ambos a vissem. “A chave do porão de vinhos.” A cor desapareceu do rosto de Constança.

“Aurélio, não…” “Fui ao porão antes de vir aqui”, disse o coronel suavemente. “Encontrei o teu passarinho engaiolado, a lavadeira, a mulata bonita.” Bento sentiu que as pernas lhe falhavam. “O que lhe fez?”, perguntou esquecendo que falava com o senhor. “Onde ela está?” “Oh, não te preocupes. Não lhe fiz nada ainda.” O coronel caminhou em direção à porta principal do quarto e tirou o ferrolho.

Abriu a porta. “Anselmo, trá-la.” Anselmo entrou arrastando Jandira. Estava suja, demacrada por dias de fechamento e escuridão, com os olhos entreabertos pela luz repentina, mas estava viva. “Bento!”, gritou ela ao vê-lo. Tentou correr para ele, mas Anselmo segurou-a pelo cabelo, colocando-lhe uma faca na garganta.

“Quietinhos todos”, ordenou o coronel. Agora estavam os quatro no quarto. O marido traído, a esposa adúltera, o amante forçado e a vítima inocente. Uma obra de teatro grotesca iluminada por uma única vela. “Dei-me conta”, disse o coronel voltando a sentar-se na sua cadeira com a arma apontando ao grupo.

“De que nesta casa há demasiado amor mal direcionado. Tu, Constança, queres o ferreiro. O ferreiro quer a lavadeira e eu… eu quero justiça.” Olhou para a esposa. “Gostas de olhar, não é, Constança? Gostavas de ir ao canavial e vê-los rebolar como animais? O Anselmo também me contou isso.” Constança baixou a cabeça tremendo.

“Pois bem, esta noite vamos jogar ao teu jogo, mas com as minhas regras.” O coronel apontou para a cama. “Ferreiro, sobe para a cama com a minha mulher.” Bento ficou paralisado. “O quê?” “Disse para subires!”, gritou o coronel disparando para o teto. O estrondo foi ensurdecedor. Pó de gesso caiu sobre a cama. “Sobe para a cama e faz o que vinhas fazer. Faz amor com a minha esposa.”

“Não!”, gritou Jandira chorando. “Não o faças, Bento. Mata-nos já.” “Se não o fizeres”, disse o coronel, apontando agora à cabeça de Jandira, “o Anselmo corta a garganta da tua namorada aqui mesmo. Agora. À tua frente.” Bento olhou para Jandira. Viu a faca no seu pescoço. Viu o sangue que já começava a brotar pela pressão da lâmina.

Olhou para Constança, que estava encolhida na cama, chorando de humilhação e terror. Olhou para o coronel que sorria com a satisfação de um deus cruel. “Vamos, Bento”, instou o coronel. “Demonstra-me quanto a amas. Vende-te mais uma vez. Prostitui-te à frente dela para a salvares.” Bento caminhou em direção à cama como um morto-vivo. Cada passo era uma agonia.

Subiu ao colchão. “Olha para ele!”, ordenou o coronel à Jandira. “Abre os olhos, lavadeira. Vê como o teu homem toca na minha mulher. Vê como a beija. Quero que vejas tudo. Quero que o ódio te consuma como consumiu a minha esposa.” Era a armadilha perfeita. O coronel não só ia matar os seus corpos, primeiro ia matar as suas almas, ia destruir o amor de Bento e Jandira, obrigando-os a participar naquela aberração, e ia destruir Constança, convertendo-a num objeto de uso público sob o olhar de todos. Bento inclinou-se sobre

Constança. As suas lágrimas caíram sobre o rosto da mulher branca. “Perdoa-me”, sussurrou ele. Constança fechou os olhos, desejando morrer. Já não havia prazer, já não havia fantasia, só havia a realidade fria e brutal de ser observada pelo ódio. E num canto, com a faca no pescoço, Jandira não fechou os olhos, olhou e algo dentro dela quebrou-se para sempre.

O amor tornou-se em algo negro. O coronel Aurélio acomodou-se na sua cadeira com a arma na mão, disposto a desfrutar do espetáculo. Mas Aurélio cometeu um erro, o mesmo erro que cometem todos os tiranos: subestimar quem já não tem nada a perder. Esqueceu-se que naquele quarto havia um ferreiro, um homem que dobrava ferro com as mãos — e um homem encurralado é mais perigoso que qualquer arma de fogo.

O tempo às vezes tem o mau hábito de esticar. No quarto principal da fazenda Santa Cruz, o tempo tinha-se tornado numa fita elástica prestes a rebentar na cara de todos. Bento estava sobre a cama com os joelhos afundados no colchão de penas, inclinado sobre dona Constança. As suas lágrimas caíam sobre a pele dela, mas os seus músculos estavam tensos como cabos de aço.

Da cadeira, o coronel Aurélio sorria acariciando o gatilho do seu Colt. Desfrutava do cheiro a medo. Sentia-se um deus marionetista movendo os fios de três vidas miseráveis. “Mais paixão, ferreiro”, troçou o coronel. “Não pareces um amante ardente, pareces um homem que vai para o patíbulo. Beija-a como se quisesses parti-la.”

No canto, Anselmo segurava Jandira pelo cabelo. A lâmina da faca tinha rasgado a pele fina do seu pescoço. Um fio de sangue vermelho descia pela sua clavícula, manchando o seu vestido sujo. Jandira não gritava. Os seus olhos estavam cravados em Bento, abertos, imensos, cheios de uma súplica muda. “Não o faças. Deixa-nos morrer, mas não o faças.”

Bento olhou para Jandira, viu o sangue e algo fez “clique” dentro da sua cabeça. Foi o mesmo som que faz o ferro quando arrefece demasiado rápido e se quebra. Bento deu-se conta de que não havia saída. O coronel não os ia deixar viver. Depois do espetáculo, depois da humilhação, matá-los-ia a todos para limpar a sua honra.

Anselmo degolaria Jandira e o coronel daria um tiro na cabeça dele. Se ia morrer, não morreria violando uma mulher para o entretenimento de um velho sádico. Se ia morrer, morreria sendo o que era: um ferreiro, um homem que dobra o mundo com as mãos. Bento respirou fundo. O ar cheirava a pólvora queimada e a perfume de rosas.

“Beija-a”, ordenou o coronel levantando-se da cadeira para se aproximar e ver melhor. Esse foi o seu erro. A arrogância encurta as distâncias. Bento baixou a cabeça em direção a Constança. “Segure-se”, sussurrou tão baixo que só ela pôde ouvir. “O quê?”, balbuciou Constança com os olhos vítreos. Bento não respondeu. Com um rugido que pareceu sair das entranhas da terra, Bento agarrou o pesado edredão de seda e lançou-o para cima e para a frente com uma força explosiva.

O tecido voou como uma rede, caindo sobre o coronel Aurélio e cegando-o por uma fração de segundo. “Maldito!”, gritou o coronel disparando às cegas através do tecido. “Bang!” A bala passou assobiando junto à orelha de Bento e incrustou-se no espelho da penteadeira, fazendo-o estourar numa chuva de cristais. Bento não esperou.

Saltou da cama como um jaguar. Cruzou a distância que o separava do coronel antes que o velho pudesse tirar o lençol de cima. Bento chocou contra Aurélio. O impacto foi brutal. O coronel, frágil e velho, saiu disparado para trás, batendo com a cabeça contra a madeira do armário da roupa.

O revólver saltou da sua mão e deslizou pelo tapete até ficar debaixo da cama. Bento não foi atrás da arma, foi atrás do homem. As suas mãos de ferreiro, mãos habituadas a golpear metal incandescente durante 12 horas por dia, fecharam-se em volta do pescoço do coronel.

“Não olhes para ela!”, rugiu Bento apertando. “Não olhes para ela nunca mais.” O coronel tentou cravar as unhas nos braços de Bento, mas era inútil. Era como tentar arranhar uma estátua de bronze. Os seus olhos saíram das órbitas, o rosto ficou roxo. Ouviu-se o estalido repugnante da laringe a quebrar-se sob a pressão. “Mata-o!”, gritou Anselmo do canto.

O feitor, ao ver o seu patrão a ser estrangulado, reagiu, mas cometeu um erro de cálculo. Soltou o cabelo de Jandira para poder usar ambas as mãos e apontar melhor com a sua faca em direção às costas de Bento. Jandira, libertada por um segundo, não ficou paralisada. O terror tinha-se tornado em instinto puro. Viu um candelabro de bronze pesado na mesa de apoio.

Enquanto Anselmo dava um passo em direção a Bento levantando a faca para apunhalá-lo pelas costas, Jandira agarrou o candelabro com ambas as mãos e com um grito agudo descarregou-o sobre a nuca do feitor. “Crack!” Anselmo cambaleou. O golpe não o matou, mas atordoou-o. Virou-se em direção a Jandira com o sangue a descer-lhe pelo pescoço, furioso.

“Cadela!”, gritou lançando uma facada ao ar. A lâmina cortou o braço de Jandira, uma ferida longa e superficial. Ela gritou e recuou, tropeçando numa cadeira. Bento ouviu o grito de Jandira. Soltou o pescoço do coronel, que caiu ao chão como um saco de batatas arquejando em busca de ar que já não entrava, e virou-se.

Viu Anselmo a encurralar Jandira. O mundo de Bento tornou-se vermelho. Já não pensava, só agia. Agarrou o que teve à mão: a cadeira de madeira onde estivera sentado o coronel, levantou-a sobre a cabeça e esmagou-a contra as costas de Anselmo. A cadeira partiu-se em pedaços. Anselmo caiu de joelhos soltando a faca.

Bento atirou-se sobre ele, agarrou-o pela gola do casaco e levantou-o do chão. Deu-lhe um soco na cara, e outro, e outro. O som dos punhos a golpear carne e osso encheu o quarto. Bento golpeava com a cadência do martelo na bigorna. Golpe, pausa, golpe, pausa. Estava a descarregar anos de escravidão, anos de silêncio, anos de ver a sua mulher ser tratada como gado.

“Bento, pára, já chega!” gritou Jandira agarrando-lhe o braço. “Bento, ele está morto. Pára!” Bento parou, ofegante, com os nós dos dedos cobertos de sangue alheio. Anselmo jazia no chão com o rosto irreconhecível. Não se mexia. Do outro lado do quarto, o coronel Aurélio também não se mexia. Os seus olhos estavam abertos, fixos no teto pintado com querubins, com uma expressão de surpresa eterna. Silêncio.

Só se ouvia a respiração ofegante dos dois escravos e o som de alguém a chorar suavemente na cama. Dona Constança estava encolhida contra a cabeceira. Envolta nos lençóis, tremendo violentamente, olhava para a cena com horror absoluto. A sua fantasia romântica tinha-se tornado num matadouro. Havia sangue no seu tapete persa.

Havia dois cadáveres na sua penteadeira. Bento levantou-se lentamente. Olhou para as mãos. “Matei-o”, sussurrou. “Matei o senhor.” Jandira correu para ele e abraçou-o, manchando-se com o sangue de Anselmo. “Tu salvaste-nos, tu salvaste-nos, meu amor.” Bento olhou para ela, revistando o seu pescoço, o braço cortado. “Estás bem?” “Sim, é só um arranhão.”

Então, Bento olhou em direção à cama. Constança parou de chorar quando viu que o ferreiro olhava para ela, mas ele já não a olhava com submissão; olhava-a com uns olhos que tinham visto a morte e tinham decidido que ela não o assustava. “Bento…”, soluçou Constança estendendo uma mão trêmula em direção a ele. “Bento, ajuda-me.”

“Tira-me daqui. Direi que foram ladrões. Direi que entraram pela janela e os mataram. Proteger-te-ei.” Era patético. Mesmo no meio do desastre continuava a tentar manipular a realidade. Continuava a acreditar que podia possuí-lo. Bento caminhou em direção à cama. Constança sorriu esperançosa, mas Bento não lhe pegou na mão.

Inclinou-se e procurou debaixo da cama. Tirou o revólver do coronel. Constança sufocou um grito. “O que fazes?” Bento verificou o tambor do revólver. Cinco balas. “Não, senhora”, disse ele com voz fria. “A senhora não vai dizer nada porque a senhora já não é minha dona.” “Amo-te!”, gritou ela desesperada. “Fi-lo por ti, Bento. Leva-me contigo. Tenho dinheiro.”

“Podemos ir para longe?” Bento olhou-a com uma piedade infinita. “A senhora não ama ninguém. A senhora ama olhar-se ao espelho e ver que alguém a deseja. Mas o espelho quebrou-se.” Bento virou-se em direção a Jandira. “Vamos. Temos de sair antes que cheguem os outros guardas.” “E ela?”, perguntou Jandira olhando para a mulher que a tinha fechado num porão.

Bento olhou para Constança uma última vez. Podia matá-la, seria o mais seguro, não deixar testemunhas, mas matá-la seria um ato de piedade. E Bento queria justiça. “Deixa-a”, disse Bento. “Que fique aqui com o seu marido e o seu feitor, que explique ela os cadáveres, que apodreça nesta casa.” Bento pegou na mão de Jandira. “Corre.”

Saíram do quarto deixando a porta aberta. Constança ficou sozinha na sua cama de dossel, rodeada de morte, manchada de sangue que não era seu, gritando o nome de um homem que nunca voltaria a olhar para ela. “Bento, não me deixes! Bento!” Os seus gritos ecoaram pelos corredores vazios da casa grande. Bento e Jandira desceram as escadas a correr, mas ao chegar ao vestíbulo principal ouviram vozes lá fora.

“Ouviram isso? Foi um disparo! Vem do quarto do coronel!” As luzes das tochas começaram a mover-se no jardim. Os outros feitores, alertados pelo disparo e pelos gritos, estavam a rodear a casa. Bento apertou a mão de Jandira. “Não há saída pela frente”, disse ele. “O porão”, disse Jandira com os olhos brilhantes.

“Há um esgoto velho, uma saída para o rio. Vi-a quando me fecharam, mas estava tapada com tábuas. Tu podes parti-las.” “Para o porão”, assentiu Bento. Correram em direção à cozinha, para a escuridão de baixo, enquanto as botas dos guardas batiam na porta principal. A caçada tinha começado. Já não eram escravos, eram fugitivos com as mãos manchadas de sangue azul.

E a noite na fazenda Santa Cruz estava longe de terminar. A fuga pelo esgoto do porão não foi heróica, foi suja. Bento teve de partir as tábuas podres a pontapés, abrindo caminho através de anos de lama acumulada, teias de aranha e ninhos de ratos. O túnel era estreito, um tubo de pedra que cheirava a vinagre e morte, desenhado para drenar o vinho derramado, mas que naquela noite drenava a liberdade.

Jandira ia à frente, arrastando-se sobre os cotovelos, ignorando a dor do corte no braço. Bento ia atrás, com o revólver do coronel numa mão e empurrando Jandira com a outra, protegendo a retaguarda. Quando finalmente saíram ao exterior, caíram de bruços na lama da margem do rio. O ar fresco da noite bateu-lhes na cara.

Cheirava a água, a juncos e a luar. “Por aqui”, sussurrou Bento, levantando Jandira. “Para a água. Os cães perderão o rasto na água.” Meteram-se no rio negro. A água estava gelada, chegava-lhes à cintura pesando nas suas roupas encharcadas. Mas avançaram. Cruzaram para a outra margem, em direção à espessura da Mata Atlântica, deixando para trás a fazenda Santa Cruz, cujas luzes se agitavam como um enxame de pirilampos furiosos.

Para trás ficava o inferno. À frente só havia escuridão, jaguares e fome. Mas era a escuridão deles. Entretanto, no quarto principal da casa grande, a cena era dantesca. Os feitores, liderados pelo segundo em comando, derrubaram a porta. Entraram com tochas e espingardas, prontos para matar.

O que encontraram deteve-os em seco. O coronel Aurélio estava morto no chão com o pescoço partido num ângulo não natural, olhando para o vazio com olhos de peixe cozido. Anselmo, o feitor-chefe, jazia num charco do seu próprio sangue com o rosto desfeito a golpes. E na cama, sentada como uma rainha no seu trono, estava dona Constança.

Não gritava, não chorava; estava a escovar o cabelo com movimentos longos e rítmicos. Tinha manchas de sangue na camisa de noite de seda branca, salpicos vermelhos no rosto pálido e nas mãos. “Senhora”, gaguejou um dos guardas baixando a espingarda. “O que aconteceu? Quem fez isto?” Constança deixou a escova, levantou a vista.

Os seus olhos verdes brilhavam, mas não havia ninguém por trás deles. A sanidade, esse fio fino que a tinha mantido presa à realidade, tinha-se quebrado definitivamente quando Bento saiu pela porta. Sorriu. Um sorriso doce, aterrador. “Foi por amor”, disse ela com voz sonhadora. “Lutaram por mim. Não vêem? O ferreiro, o meu Bento, matou o dragão para salvar a princesa.”

Olhou para o cadáver do marido com indiferença, como se fosse um móvel partido. “Ele amava-me tanto”, sussurrou tocando o peito. “Tinha tanta paixão. Partiu o pescoço do coronel com uma só mão, só por mim, para que pudéssemos estar juntos.” “Onde está o negro, senhora?”, perguntou o guarda olhando em volta, confuso pela loucura da mulher.

Constança franziu a testa como uma criança a quem tiram um doce. “Foi-se embora. Teve de se ir embora. Mas voltará. Prometeu-me que voltaria. Quando saísse o luar… tenho de estar bonita para ele.” Voltou a escovar o cabelo cantarolando a canção francesa que cantava no jardim. Os homens olharam-se entre si, horrorizados. Não sabiam o que fazer com os cadáveres nem com a viúva louca coberta de sangue.

Naquela noite, a fazenda Santa Cruz perdeu os seus senhores. O coronel estava morto e a senhora estava morta em vida. A caçada durou uma semana. Os herdeiros do coronel, sobrinhos distantes que chegaram como abutres da capital, puseram preço à cabeça de Bento e Jandira. Ofereceram ouro a quem trouxesse o ferreiro assassino.

Mas a floresta protege os seus. Bento e Jandira não foram para o norte como todos esperavam. Foram para o oeste, em direção às montanhas azuis, guiados por mapas que Bento tinha desenhado na sua mente, ouvindo histórias de velhos escravos. Sofreram, comeram raízes, dormiram sob a chuva. A ferida de Jandira infetou e Bento curou-a, cauterizando-a com uma faca aquecida ao fogo, usando as suas habilidades de ferreiro para curar em vez de forjar cadeias.

Finalmente encontraram o que procuravam. Não era uma cidade, era fumo. Fumo que saía de uma gruta alta, invisível do vale. Um quilombo. Foram recebidos não com armas, mas com água. Ali, entre homens e mulheres livres que tinham rejeitado o jugo, Bento deixou de ser o ferreiro da fazenda e Jandira deixou de ser a lavadeira bonita.

Tornaram-se simplesmente Bento e Jandira, marido e mulher, livres. Epílogo: a gaiola eterna. Passaram 20 anos. A fazenda Santa Cruz caiu na ruína. Sem o coronel e com a má fama de ser um lugar amaldiçoado, os escravos foram vendidos, os campos de cana secaram e a selva começou a comer as paredes da casa grande.

Mas a casa não estava vazia. No quarto principal, com as cortinas de veludo agora comidas pelas traças, vivia uma mulher. Os habitantes locais chamavam-na a viúva do espelho. Diziam que dona Constança nunca saiu daquele quarto. Os familiares pagavam a uma criada velha para lhe levar comida e água, mas ninguém a visitava.

Constança envelheceu. A sua beleza murchou. O seu cabelo tornou-se cinzento e ralo. Mas todas as noites, sem falta, sentava-se frente ao espelho partido — o mesmo que Bento tinha estourado com um tiro — e vestia a sua camisa de noite de seda, agora amarelada e feita em farrapos. Acendia uma vela e esperava. Falava sozinha. Mantinha conversas inteiras com um amante invisível.

“Bento, meu amor, chegas tarde”, sussurrava para a escuridão. “Gostas do meu vestido? Fi-lo para ti. Esquece a lavadeira. Ela não te ama como eu.” Ria, gemia, chorava. Vivia presa num ciclo eterno, repetindo a única noite em que se sentiu viva, incapaz de aceitar que essa vida tinha sido comprada com mentiras. Morreu numa noite de inverno, sozinha, de frio, sentada na sua cadeira frente à porta fechada, esperando por um homem que estava a centenas de quilómetros de distância, abraçando a sua verdadeira esposa e os seus filhos livres sob as estrelas.

A história da Fazenda Santa Cruz ensina-nos uma lição brutal. A inveja é o único veneno que bebes tu mesmo esperando que morra o outro. Constança queria roubar a felicidade de Jandira. Queria ser a dona do prazer, mas no final só conseguiu ser a dona do nada. Porque o prazer, queridos ouvintes, não se pode roubar, não se pode comprar e não se pode forçar.

O prazer é filho da liberdade. E onde há cadeias, mesmo que sejam de ouro e seda, o amor sempre morre. Yeah.