O cheiro de cera queimada e flores apodrecidas impregnava o ar denso de Veracruz. Na fazenda San Juan de la Cruz, os espelhos estavam cobertos com panos pretos e as janelas fechadas hermeticamente, aprisionando o calor sufocante de março de 1847 no interior da Casa Grande. O coronel Dom Eusebio Méndez havia morrido e, com ele, a segurança de cinco mulheres.

Dona Bernarda de Antunes, a viúva, estava de pé ao lado do caixão aberto na sala principal. Tinha 42 anos, mas seu rosto, endurecido pela avareza e pelo medo, parecia uma máscara de pedra. Não chorava. As lágrimas eram um luxo que uma mulher sem um herdeiro homem não podia se permitir.

Ao seu redor, como abutres vestidos de luto, circulavam os primos distantes e os sobrinhos do falecido. Homens que nunca haviam pisado na fazenda enquanto o coronel vivia, mas que agora farejavam a fraqueza. “É uma pena, Bernarda”, disse Dom Luis, um primo de segundo grau com dentes amarelados, aproximando-se demais, “cinco filhas e nenhum varão para carregar o sobrenome.

As leis do México são claras. Sem um homem no comando, a propriedade… bem, a propriedade necessita de uma gestão viril.” Bernarda apertou seu rosário de ébano até que as contas marcassem sua palma. “Minhas filhas e eu cuidaremos do luto, Dom Luis. Da fazenda, cuido eu.” “Por enquanto”, sussurrou ele com um sorriso falso. “Por enquanto.”

Bem-vindos ao Ecos da Colônia. Esta é a história de um crime que não foi cometido com armas, mas com corpos. A história de uma mãe desesperada que transformou as próprias filhas em moeda de troca e um escravo no instrumento de seu pecado. Antes que a primeira vela se apague, pause o vídeo e diga nos comentários de que país você nos ouve e qual é a sua idade.

Queremos saber quem tem estômago para ouvir esta verdade. Dê o seu like, inscreva-se e entre conosco na Casa dos Segredos. Naquela mesma noite, depois que o último abutre partiu prometendo voltar com advogados, Dona Bernarda trancou-se no escritório do falecido. A realidade era aterradora: as dívidas eram altas e a lei estava contra ela.

Se não aparecesse um herdeiro homem legítimo, logo perderiam tudo. Suas cinco filhas — Leonora, Elena, Constanza, Beatriz e a pequena Mariana — terminariam na rua ou em conventos miseráveis. Bernarda olhou pela janela em direção ao pátio dos escravos. A lua cheia iluminava o engenho de açúcar e ali, cortando lenha para a cozinha apesar da hora, estava ele.

Amaro tinha 24 anos e era uma peça de ébano que o coronel havia comprado por capricho. Alto, de ombros largos que brilhavam com o suor sob a luz lunar, Amaro tinha algo que incomodava os homens brancos da região: uma beleza e uma dignidade que não correspondiam a um escravo. Sabia ler e escrever, uma raridade perigosa, e movia-se com uma calma que parecia desafio. Bernarda o observou.

Viu a força de seus braços ao levantar o machado. Viu a vitalidade bruta que faltava ao seu marido morto. E então uma ideia monstruosa, uma blasfêmia nascida do pânico, criou raízes em sua mente. “Um varão”, sussurrou ela contra o vidro. “Só preciso de um varão.” Não pensou duas vezes. A moralidade é para os ricos.

Os desesperados só têm necessidades. “Você!”, gritou Bernarda da janela. “Amaro!” O escravo parou o machado, levantou a vista para a casa grande e viu a silhueta negra da viúva recortada contra a luz das velas. “Senhora”, sua voz era profunda. “Grave isso. Suba ao escritório agora.” Amaro sentiu um frio no estômago. Subir à casa grande à noite nunca significava coisa boa.

Podia ser um castigo, uma venda noturna ou um capricho sádico. Limpou as mãos na calça de brim e subiu as escadas de pedra. Entrou no escritório. O cheiro de tabaco velho do coronel ainda flutuava ali. Dona Bernarda estava sentada atrás da escrivaninha de mogno, com as mãos cruzadas sobre um livro de contabilidade.

“Feche a porta”, ordenou ela sem olhá-lo. Amaro obedeceu. O clique da fechadura soou como um disparo no silêncio. Ele ficou de pé com a cabeça baixa, olhando para os próprios pés descalços sobre o tapete persa. Bernarda levantou-se, caminhou ao redor da escrivaninha e parou diante dele.

Ela o examinou como quem examina um cavalo de raça. Olhou seus braços, seu pescoço, sua altura. “Dizem que você é forte, Amaro”, disse ela. Sua voz não tremia. “Faço meu trabalho, senhora.” “Seu trabalho vai mudar”, disse Bernarda, caminhando de costas para ele. “Esta fazenda está afundando. Os abutres querem tirá-la de mim porque só pari mulheres.

Preciso de um neto, um varão, um herdeiro que carregue o sobrenome Méndez.” Amaro não respondeu. Não entendia o que ele tinha a ver com aquilo. “Minhas filhas são virgens”, continuou ela, virando-se bruscamente. “Puras, de sangue nobre. Nenhum homem as tocou. Mas não tenho tempo para procurar maridos, cortejos e casamentos. Preciso da criança agora.” Aproximou-se de Amaro até que pudesse cheirar o suor e a madeira em sua pele.

“Você vai nos dar essa criança, Amaro.” O escravo levantou a vista, esquecendo a norma de não olhar nos olhos. O horror refletiu-se em seu rosto. “Senhora, isso é a morte. Se eu tocar em uma senhorita, me queimarão vivo.” “Ninguém vai te queimar”, disse Bernarda com frieza, “porque ninguém saberá. Você o fará aqui, nesta casa, sob minha ordem e minha vigilância.” “Não posso.”

Amaro recuou um passo, batendo contra a estante. “É pecado, senhora. É o seu próprio sangue.” “É a minha sobrevivência”, sibilou ela, agarrando-o pela camisa. “Escute-me bem, negro. Você tem duas opções. Ou faz o que eu ordeno e te dou sua carta de alforria e ouro para que vá para longe quando a criança nascer…

Ou amanhã mesmo te vendo para as minas de prata de Zacatecas, onde os homens duram três semanas antes de cuspirem os pulmões.” Amaro olhou nos olhos da viúva e viu a loucura lúcida neles. Sabia que ela não mentia. As minas eram uma sentença de morte lenta e dolorosa. “O que… o que tenho que fazer?”, perguntou ele, sentindo que vendia sua alma.

“Você vai engravidar minhas filhas”, disse Bernarda como se falasse de semear milho. “Uma por uma, ou todas. Começaremos com Leonora. É a mais velha, a mais obediente.” Bernarda foi até a porta e a abriu. “Vá para o quarto de costura no fim do corredor. Espere lá. E Amaro…” A viúva sorriu. Uma careta cadavérica na penumbra.

“Se você falhar, se não for capaz de funcionar, então não me serve nem para isso, nem para as minas.” Amaro caminhou pelo corredor escuro da casa grande. Suas pernas pesavam toneladas. Cada passo o afastava de sua humanidade. Chegou ao quarto de costura. Estava escuro, iluminado apenas por uma vela solitária sobre uma mesa.

Minutos depois, a porta abriu-se novamente. Entrou Leonora. Tinha 23 anos, vestida com uma camisola branca de algodão e os cabelos soltos. Seu rosto estava banhado em lágrimas, seus olhos vermelhos de tanto chorar. Atrás dela, Dona Bernarda empurrou a filha para dentro do cômodo. “Cumpra seu dever, filha”, disse a mãe.

“Feche os olhos e pense na fazenda.” A porta fechou-se, a chave girou por fora. Clac. Amaro e Leonora ficaram sozinhos na semioscuridade. Ele, o escravo que sonhava com a liberdade. Ela, a filha da nobreza que sonhava com um príncipe. Ambos vítimas da mesma carrasca. “Por favor”, sussurrou Leonora, encurralando-se contra a parede, tremendo como uma folha. “Não me toque.” Amaro olhou para ela.

Sentia nojo de si mesmo, medo e uma lástima infinita, mas lembrou-se das minas. Lembrou-se do chicote. “Perdoe-me, senhorita”, sussurrou ele dando um passo à frente. “Perdoe-me por Deus, mas não temos escolha.” Amaro soprou a vela. O quarto ficou em trevas e, na escuridão da fazenda San Juan de la Cruz, começou a longa noite dos turnos.

A escuridão no quarto de costura não era vazia; ela pesava. Pesava como uma laje de mármore sobre os pulmões das duas pessoas que respiravam agitadamente na penumbra. Amaro não se moveu imediatamente após apagar a vela. Ficou ali de pé, ouvindo o pranto abafado de Leonora, um som fino e constante, como o de um animal pequeno preso em uma armadilha de ferro. “Senhorita”, sussurrou Amaro.

Sua voz era rouca, carregada de uma vergonha que lhe queimava a garganta. “Se gritar, se ela entrar, será pior.” Leonora estava acurrucada no canto mais distante, abraçando os joelhos, protegida apenas por sua camisola de algodão e por sua fé católica, que naquele momento lhe parecia inútil.

“É pecado mortal”, gemeu ela. “Eu irei para o inferno. Você irá para o inferno.” “Já estamos no inferno, senhorita”, respondeu Amaro com uma tristeza infinita. Deu um passo em direção a ela. A madeira do chão rangeu. Leonora retesou-se, mas não gritou. Sabia, com a resignação de quem fora educada para obedecer, que não havia saída.

Sua mãe estava do outro lado da porta, provavelmente com o ouvido colado na madeira, contando os minutos, esperando o resultado de seu investimento. Amaro ajoelhou-se diante dela. Não a tocou com violência, não a tocou com desejo. Suas mãos, grandes e calejadas pelo trabalho no campo, tremiam ligeiramente quando roçaram o braço dela.

“Não me olhe”, pediu ele, fechando os olhos. “Imagine que não sou eu. Imagine que sou a morte. É mais rápido assim.” O que aconteceu depois não foi um ato de amor, nem sequer um ato de paixão animal; foi um sacrifício. Foi um ritual mecânico, desajeitado e doloroso, executado no silêncio mais absoluto, quebrado apenas pelo som da respiração ofegante dele e os soluços mudos dela.

Amaro cumpriu sua ordem, Leonora cumpriu seu dever e, no processo, algo se quebrou dentro de ambos que nenhuma carta de alforria nem herança alguma poderia jamais reparar. Quando terminou, Amaro afastou-se rapidamente, retirando-se para o canto oposto, dando-lhe as costas. Sentia-se sujo, sentia-se menos que um escravo; sentia-se uma ferramenta, um objeto usado e descartado.

Leonora ajeitou a camisola com mãos trêmulas. Ficou no chão olhando para o nada. Já não chorava. Seus olhos haviam secado, substituídos por um olhar vidrado, morto. Passaram-se horas ou talvez minutos. O tempo naquele quarto não existia. Finalmente, o ferrolho rangeu. Clac. A porta abriu-se e a luz de uma lamparina de azeite invadiu o quarto, ferindo seus olhos acostumados às trevas.

Dona Bernarda estava no limiar, impecável em seu luto, com o rosto inexpressivo. Entrou, não olhou para Amaro. Seus olhos foram diretamente para a filha. “Levante-se, Leonora”, ordenou. Leonora pôs-se de pé com dificuldade, apoiando-se na parede; não olhou para a mãe. Bernarda aproximou-se, ajeitou-lhe o cabelo revolto com um gesto que pretendia ser maternal, mas que resultou gélido. “Já está feito.

Agora, rezar para que a semente vingue. Vá para o seu quarto. E Leonora…” A mãe segurou-lhe o queixo, obrigando-a a encará-la. “Nem uma palavra às suas irmãs. Se abrir a boca, direi que foi ideia sua, que você o procurou, que se apaixonou pelo selvagem. Entendido?” Leonora assentiu muda e saiu do quarto como um espectro, arrastando os pés pelo corredor.

Bernarda virou-se então para Amaro. Ele continuava no canto com a cabeça baixa. “Fez o seu trabalho”, disse ela com indiferença, como se falasse com o açougueiro. “Volte para a sua senzala, mas não fale com ninguém. A partir de hoje, você dorme no quarto de ferramentas do jardim traseiro. Eu te quero perto, bem perto.” Amaro atreveu-se a levantar a vista.

“Já terminei, senhora. A senhora disse…” “Disse que precisamos de um herdeiro”, cortou ela. “Uma noite não garante nada. Você voltará quando eu te chamar.” Amaro saiu para o ar noturno de Veracruz. A umidade o atingiu. Queria correr, queria gritar, queria lavar a pele até arrancá-la, mas caminhou submisso em direção ao quarto de ferramentas.

A gaiola apenas havia mudado de lugar. Nos dias seguintes, a fazenda San Juan de la Cruz mergulhou em uma atmosfera espessa, quase irrespirável. Leonora não saiu de seu quarto. As criadas diziam que ela tinha febre de tristeza. Passava o dia ajoelhada diante de seu pequeno altar da Virgem, rezando em sussurros frenéticos, batendo no peito.

Suas irmãs — Elena, Constanza, Beatriz e Mariana — sentiam a mudança, mas não entendiam a causa. Viam a mãe caminhar pelos corredores com uma energia nervosa, controlando tudo, olhando o calendário obsessivamente. Elena, a segunda filha, era diferente de Leonora: tinha 21 anos e o temperamento forte do falecido coronel; não era submissa, era observadora.

Viu como a mãe olhava para o jardim traseiro onde Amaro estava confinado. Viu como as criadas levavam comida extra para aquele quarto e viu o terror nos olhos de Leonora quando alguém batia à porta. “Algo acontece nesta casa”, disse Elena a Constanza uma tarde, enquanto bordavam na galeria. “Mamãe nos esconde algo.

E Leonora parece ter visto o demônio.” “Será o luto”, disse Constanza, ingênua. “A morte de papai a afetou muito.” “Não é morte”, disse Elena, cravando a agulha com força no tecido. “É medo.” Uma semana depois, a impaciência de Dona Bernarda estourou. A viúva estava em seu escritório fazendo contas.

Os números vermelhos a asfixiavam. Os credores haviam enviado outra carta. “Preciso de certeza”, murmurou para si mesma. “Leonora é fraca. Seu corpo é fraco. Se não ficar grávida, terei perdido um mês.” Bernarda olhou pela janela. Precisava de mais opções. No jogo da sobrevivência, não se aposta tudo em uma única carta.

Saiu ao corredor e gritou um nome: “Elena!”. Elena compareceu ao escritório com a cabeça erguida. “Sim, mãe.” Bernarda a olhou. Elena era mais robusta que Leonora. Tinha quadris largos. “Boa parideira”, pensou a mãe com uma frieza calculadora. “Sente-se, filha. Temos que falar do futuro da fazenda.” Bernarda não usou a religião com Elena. Sabia que não funcionaria.

Usou a lógica brutal. Explicou a falência, explicou a ameaça dos primos. Explicou que, sem um homem, Elena terminaria lavando roupa alheia ou casada com algum velho asqueroso por caridade. “E o que propõe, mãe?”, perguntou Elena, suspeitando da armadilha. “Que eu me case?” “Não há tempo para casamentos. Precisamos da criança agora.”

Quando Bernarda revelou o plano, quando pronunciou o nome de Amaro, Elena levantou-se da cadeira num salto, derrubando o tinteiro sobre o tapete. “Você está louca!”, gritou Elena. “É um escravo, é uma besta! Jamais! Prefiro morrer de fome!” Bernarda levantou-se também e desferiu uma bofetada tão forte que Elena caiu no sofá.

A viúva inclinou-se sobre ela com os olhos injetados de sangue. “Você não vai decidir nada”, siseou Bernarda. “Sua irmã Leonora já fez o sacrifício dela. Ela se entregou por você para que você coma, para que você tenha um teto. E você se atreve a desprezá-la com o seu orgulho?” Elena levou a mão à bochecha, horrorizada. De repente, o silêncio da irmã fez sentido. “Leonora cumpriu seu papel”, disse Bernarda.

“Mas uma única vela não ilumina um enterro. Preciso de segurança. Preciso que você também o faça. Se Leonora falhar, você será a mãe do herdeiro.” “Não posso, mamãe. Por favor.” Elena começou a chorar, sua força desmoronando diante da monstruosidade da realidade. “Esta noite”, sentenciou Bernarda, “no quarto de costura. E não me obrigue a mandar os capangas te arrastarem.

Você tem dignidade, Elena. Use-a para salvar sua família, não para destruí-la.” Naquela noite, a rotina macabra repetiu-se. Amaro foi tirado de seu confinamento. Caminhou para a casa grande com o estômago revirado. Esperava ver Leonora novamente. Esperava ter que consolar a mesma vítima. Mas quando a porta do quarto de costura abriu-se, não foi a figura pálida e magra de Leonora que entrou; foi Elena.

Elena entrou com os olhos secos, cheios de ódio. Não olhava para o chão; olhava para Amaro com uma mistura de fúria e repulsa. Bernarda fechou a porta. Clac. Elena ficou parada no centro do quarto. Amaro recuou instintivamente, intimidado pela energia dela. “Então você é o garanhão”, disse Elena com voz cortante, embora suas mãos tremessem.

“O salvador da casa Méndez… senhorita Elena.” Amaro baixou a cabeça. “Eu não escolhi isso. Sua mãe…” “Minha mãe é o diabo”, disse ela, “mas você… você é o instrumento.” Elena começou a desabotoar o vestido com movimentos bruscos, violentos, arrancando um botão no processo. Não ia dar à mãe o prazer de vê-la chorar.

Ia tratar aquilo como o que era: uma transação comercial asquerosa. “Faça”, ordenou ela, deitando-se no divã de costura e olhando para o teto com frieza. “Faça rápido e não se atreva a falar comigo. Não respire perto do meu rosto e nem pense que isto é prazer. Isto é ódio, Amaro. Puro ódio.”

Amaro sentiu um calafrio. Leonora fora uma vítima passiva, quebrada pelo medo. Elena era uma vítima ativa, endurecida pela ira. Ambas estavam sendo destruídas, mas de formas diferentes. Ele aproximou-se. A obediência era sua única opção. Se negasse a Bernarda, ela o venderia amanhã. Se tocasse em Elena, ela o odiaria para sempre.

“Sinto muito”, sussurrou ele novamente, a única palavra que lhe restava. E na escuridão do quarto, sob o peso do ódio de Elena e a vigilância de Bernarda, Amaro compreendeu que a maldição da fazenda San Juan de la Cruz acabava de ser duplicada. Já não era um acidente; era um sistema, uma fábrica de herdeiros construída sobre a violação de cinco almas — e ainda faltavam três irmãs.

Lá fora, no corredor, Dona Bernarda escutava. Não sentia culpa; sentia impaciência. “Duas”, murmurou, tocando as contas de seu rosário. “Com duas deve bastar.” Mas Bernarda se equivocava. O destino é cruel com aqueles que brincam de ser Deus. E logo descobriria que sangue chama sangue, e que abrir aquela porta uma vez significava que nunca mais se poderia fechar.

Constanza, a terceira filha, a sonhadora, já havia começado a notar que as visitas noturnas ao quarto de costura estavam se tornando um costume. E a curiosidade naquela casa era uma sentença de morte. Passaram-se dois meses, 60 dias de um calor asfixiante que parecia apodrecer a fruta nas árvores antes do tempo. Mas o que realmente apodrecia era a alma da fazenda San Juan de la Cruz.

A casa grande havia se transformado em um mausoléu de silêncios. Na mesa de jantar, o tilintar dos talheres de prata contra a porcelana soava como ossos se chocando. Ninguém falava. Leonora, a mais velha, havia parado de comer. Passava os dias na capela privativa murmurando orações frenéticas, com os joelhos cheios de hematomas pela penitência.

Elena, a segunda, havia trocado sua fúria por uma frieza de gelo. Olhava para a mãe com olhos de assassina, mas não dizia nada. Comia com raiva, mastigando a carne como se quisesse destroçá-la, engordando, esperando algum sinal em seu ventre que não chegava. Dona Bernarda presidia a mesa vestida de negro impoluto.

Observava as cinturas de suas filhas com a precisão de um falcão. Buscava náuseas, buscava desmaios, buscava o inchaço da vida, mas o sangue continuava chegando pontualmente todos os meses. Leonora, não grávida. Elena, não grávida. Bernarda apertou o guardanapo em seu punho. O tempo estava se esgotando. Os advogados dos primos já haviam enviado a segunda notificação.

Queriam fazer um inventário dos bens. Se entrassem e vissem que não havia uma criança a caminho, o jogo terminava. A viúva olhou para sua terceira filha, Constanza. Constanza tinha 19 anos. Era a menina bonita da família, sonhadora, frágil. Lia romances franceses às escondidas e bordava lenços esperando por um amor que nunca chegaria.

Não tinha a resignação de Leonora nem o fogo de Elena. Tinha inocência. “Constanza”, disse Bernarda, quebrando o silêncio sepulcral do jantar. A moça levantou a vista assustada. “Sim, mãe.” “Esta noite você deixará a porta do seu quarto aberta. Preciso falar com você sobre o seu dote.” Elena soltou o garfo. O ruído metálico ecoou.

Olhou para a mãe com incredulidade e depois para a irmã. “Não”, sussurrou Elena. “Mamãe, não. Ela ainda é uma criança.” “Cale-se”, disse Bernarda sem elevar a voz. “Você falhou, Elena. Seu ventre é estéril ou seu ódio matou a semente. Não me deixa opção.” Bernarda levantou-se. “A sobrevivência não entende de inocência. Constanza, vá para o escritório.”

Entretanto, no quarto de ferramentas do jardim traseiro, Amaro estava sentado em um catre novo. Sua vida havia mudado de uma forma grotesca. Já não cortava lenha, já não carregava sacas sob o sol. Dona Bernarda havia dado ordens estritas: o “garanhão” devia ser cuidado. Traziam-lhe carne assada, vinho aguado e roupas limpas de algodão.

Os outros escravos olhavam-no com uma mistura de ódio e inveja. Acreditavam que ele havia se vendido, que era o amante voluntário da viúva ou das filhas. Ninguém sabia a verdade: que Amaro sentia-se mais escravo do que nunca. Seu corpo estava forte, alimentado e descansado, mas sua mente estava se desmoronando. Sentia-se sujo, sentia-se um animal de reprodução.

Toda vez que a porta se abria à noite, seu estômago revirava. Quem seria hoje? A que chora, ou a que odeia? Naquela noite, a porta abriu-se, mas não foi Bernarda quem entrou para levá-lo ao quarto de costura. Bernarda mudou a estratégia: o quarto de costura trazia má sorte. “Venha”, ordenou a viúva do limiar. “Hoje você irá ao quarto da senhorita Constanza.”

Amaro levantou-se, caminhou como um autômato, subiu as escadas de serviço, cruzou os corredores escuros. A casa cheirava a lavanda e medo. Entraram no quarto de Constanza. Era um quarto de menina, cheio de bonecas de porcelana e rendas brancas. Constanza estava sentada na borda de sua cama com dossel, abraçada a um travesseiro, tremendo violentamente.

Bernarda havia explicado o dever. Dissera-lhe que era pelo bem da família, que era como um casamento arranjado, só que secreto. Mas Constanza não via um dever; via um homem negro gigante entrando em seu santuário. “Mãe, por favor”, gemeu Constanza. “Tenho medo.” “O medo passa”, disse Bernarda, empurrando Amaro para dentro. “A pobreza é eterna.

Faça isso, Amaro, e seja suave. Ela é delicada.” Bernarda fechou a porta e sentou-se em uma cadeira no corredor para montar guarda como um carcereiro fiel. Lá dentro, Amaro olhou para a moça. Constanza chorava em silêncio com os olhos fechados, como se esperasse um golpe. Amaro sentiu uma onda de náusea. Esta era pior que as outras.

Leonora havia se rendido. Elena o havia desafiado. Constanza… Constanza simplesmente estava aterrorizada. “Senhorita”, sussurrou Amaro. Não se aproximou. “Não me machuque”, suplicou ela. “Mamãe disse que tenho que deixar, mas não quero.” Amaro passou a mão pelo rosto. Queria pular pela janela e correr até que o coração estourasse, mas sabia que, se fugisse, os cães da casa o pegariam antes do amanecer.

“Não vou te machucar, senhorita”, disse ele com voz suave, tentando acalmar um animal assustado. “Mas temos que… temos que fingir que isto é outra coisa. Você gosta de contos?” Constanza abriu um olho, confusa. “Contos? Sim.” “Imagine que não sou eu. Imagine que está em um de seus livros.

Feche os olhos e pense em outra coisa. Eu serei rápido, juro.” Constanza fechou os olhos com força, apertando seu travesseiro. Amaro aproximou-se, carregando o peso do mundo em seus ombros. Cumpriu a ordem. Foi suave como lhe fora ordenado, mas a suavidade não apaga a violação. A inocência de Constanza morreu naquela noite, manchada não pela violência, mas pela traição da própria mãe.

Mas o pesadelo não terminou ali. Duas semanas depois, Bernarda continuava sem confiar. A desesperação a tornou paranoica. “Três não são suficientes”, dizia a si mesma. “Preciso de um exército de possibilidades.” Beatriz tinha 17 anos. Era a quarta, a observadora, a que estava sempre nos cantos, calada, observando. Ela vira Amaro entrar no quarto de Constanza.

Vira Elena vomitar de nojo, não de gravidez, pelas manhãs. Beatriz sabia que sua vez chegaria e, quando Bernarda a chamou ao escritório em uma tarde de chuva, Beatriz não chorou. Entrou com o rosto pálido. “Eu já sei, mãe”, disse Beatriz antes que a viúva pudesse falar. “Sei o que você está fazendo.

Você está transformando esta casa em um bordel.” Bernarda desferiu-lhe uma bofetada seca. “Estou salvando o seu teto, ingrata!” “Você está condenando nossas almas”, respondeu Beatriz, tocando a bochecha vermelha. “Mas faça. Mande-me para o quarto, que termine isto de uma vez. Mas te advirto uma coisa, mãe: Deus está olhando e Ele não precisa de advogados para cobrar as dívidas.”

Naquela noite, Beatriz foi para o quarto de costura. Não houve lágrimas; houve um silêncio frio e resignado. Amaro, já transformado em uma sombra de si mesmo, cumpriu sua função com a eficiência de uma máquina quebrada. A fazenda San Juan de la Cruz transformara-se em uma fábrica: quatro irmãs, quatro ventres, um único homem escravizado pelo capricho de uma matriarca.

O ciclo estabeleceu-se. Amaro era chamado duas ou três vezes por semana. “Turnos”, chamava-os Bernarda em seu livro de contas mental. Hoje Leonora, amanhã Elena. Depois de amanhã Constanza. As irmãs cruzavam-se nos corredores e baixavam a vista, incapazes de se olharem no rosto, unidas pelo mesmo segredo vergonhoso, compartilhando o mesmo homem na escuridão. A sororidade quebrou-se.

Ciumes doentios, culpa e nojo preencheram os cantos da casa. Mas faltava uma: Mariana, a pequena, 15 anos recém-completados. Mariana era a única que ainda dormia com a porta trancada por dentro, aterrorizada, ouvindo os passos de Amaro no corredor à noite. Mariana, que ainda brincava com bonecas escondida.

Mariana, que tinha o espírito rebelde que faltava a todas as outras. Uma noite, Bernarda olhou para o calendário: 4 meses haviam se passado desde a morte do coronel. E então aconteceu. Elena não desceu para o café da manhã. Bernarda subiu ao seu quarto e a encontrou vomitando no urinol.

A viúva examinou o vômito como se fosse ouro. Depois, olhou para os seios inchados de Elena. “Bendito seja Deus”, sussurrou Bernarda, benzendo-se com uma mão e acariciando o ventre da filha com a outra. “Pegou. Mas a avareza é um poço sem fundo. Um não é suficiente”, murmurou Bernarda com os olhos brilhando. “Bebês morrem. Preciso de uma reserva.”

Olhou para o corredor, para a última porta fechada: a porta de Mariana. “Falta uma”, disse a matriarca. “E esta noite a colheita será completa.” Bernarda não sabia que Mariana não estava disposta a ser mais uma ovelha no matadouro. A pequena havia roubado uma faca da cozinha e a tinha escondido sob o travesseiro. E Amaro, o escravo quebrado, estava prestes a encontrar a única filha que estava disposta a matar ou morrer antes de ceder.

A porta do quarto de Mariana não se abriu com a facilidade das outras. Estava trancada por dentro. Dona Bernarda girou o pomo com impaciência crescente. “Mariana!”, chamou a mãe com aquela voz falsa e doce que usava antes de dar o golpe. “Abra a porta. Trago o seu remédio.” De dentro, houve apenas silêncio. Bernarda olhou para Amaro, que esperava no corredor escuro como um espectro condenado.

O escravo tinha olheiras profundas. Havia perdido peso apesar da boa comida. Sua alma estava se consumindo. Sabia que esta era a última porta, a mais jovem, a mais inocente. “Derrube a porta!”, ordenou Bernarda, sua doçura evaporando instantaneamente. “Senhora, por favor, é uma criança”, sussurrou Amaro.

“Não a obrigue, a senhora já tem três!” “Derrube a maldita porta!”, sibilou a viúva, batendo no peito de Amaro com seu leque fechado. “Não te pago para ter consciência, te pago para ter um neto. Abra!” Amaro fechou os olhos, pediu perdão a um Deus que claramente havia abandonado aquela fazenda, e empurrou com o ombro. A madeira velha rangeu. Um segundo empurrão e o trinco cedeu com um estalo de farpas.

A porta abriu-se de golpe. O quarto estava na penumbra, iluminado apenas pela luz da lua que entrava pela janela aberta. Bernarda entrou primeiro, disposta a arrastar a filha pelos cabelos se fosse necessário. “Menina estúpida! Acha que pode se esconder do seu dever?” Bernarda avançou em direção à cama com dossel, mas a cama estava vazia. “Para trás!”

O grito veio do canto mais escuro, atrás do guarda-roupa. Bernarda e Amaro viraram-se. Ali estava Mariana. Tinha 15 anos. Usava sua camisola de dormir e os cabelos estavam revoltos. Estava descalça, encurralada contra a parede, mas não estava chorando como Leonora, nem paralisada como Constanza.

Em sua mão direita, tremendo mas firme, segurava uma faca de cozinha, uma lâmina longa e enferrujada que havia roubado dias atrás. “Não se aproximem!”, gritou Mariana apontando a faca para a mãe. “Se me tocarem, eu me mato! Juro pela Virgem, cravo isto no coração!” Bernarda parou bruscamente. Pela primeira vez, o medo cruzou seu rosto de pedra.

Não medo pela filha, mas medo pelo seu investimento. Uma filha morta não paria herdeiros. “Solte isso, Mariana”, disse Bernarda, levantando as mãos com cautela. “Não seja dramática, só queremos assegurar o seu futuro.” “Você quer me vender!”, guinchou a menina. “Quer que esse homem me monte como a uma égua! Eu as ouvi! Ouvi Leonora chorar!

Ouvi Elena vomitar! Sei o que vocês estão fazendo! Vocês são monstros!” Amaro olhou para a moça e viu o brilho de loucura e terror em seus olhos. Sabia que ela não estava mentindo: mataria-se antes de se deixar tocar. E se ela morresse, Bernarda o culparia, enviaria-o para as minas ou o esfolaria vivo. “Senhora”, disse Amaro dando um passo atrás. “Vamos embora.

Ela vai se ferir.” “Ninguém vai embora!”, rugiu Bernarda, recuperando sua autoridade. “É um ataque de birra. Tire a faca dela, Amaro! Você é um homem forte. Desarme-a!” “Se ele se aproximar, eu o mato!”, ameaçou Mariana, mudando o alvo da faca para o peito de Amaro. “Não tenho medo de ir para o inferno se levar o demônio comigo!”

O ar no quarto tornou-se elétrico. Era um beco sem saída. Bernarda olhou para Amaro e depois para a filha. Seus olhos estreitaram-se. “Bem”, disse a viúva com uma frieza que gelou o sangue dos presentes. “Se você quer morrer, morra, mas não manchará meus tapetes.” Bernarda virou-se para Amaro. “Você tem um trabalho.

Se você não sair deste quarto tendo cumprido sua tarefa, amanhã ao amanhecer estará a caminho de Zacatecas acorrentado. E a ela… a ela eu mandarei para o convento das arrependidas, onde as freiras a açoitarão até que ela esqueça o próprio nome. Você decide, escravo: ou a submete, ou morrem os dois.” Bernarda saiu do quarto e fechou a porta quebrada, travando-a com uma cadeira por fora.

Amaro e Mariana ficaram sozinhos: o escravo e a menina armada. Amaro olhou para a faca; poderia tirá-la. Era três vezes mais forte que ela, mas teria que feri-la. Teria que quebrar seu pulso ou golpeá-la, e depois teria que estuprá-la enquanto ela chorava de dor. A náusea subiu-lhe pela garganta. Não podia, simplesmente não podia.

“Mate-me”, disse Amaro abrindo os braços e caminhando em direção a ela lentamente. “Faça isso, menina. Crave aqui no peito. Você me fará um favor.” Mariana piscou, confusa. Esperava um ataque, não uma rendição. “O quê?” “Mate-me”, repetiu ele, aproximando-se até que a ponta da faca tocou sua camisa. “Se você me matar, você se salva.

Sua mãe não poderá te obrigar se o garanhão estiver morto. Dirão que você se defendeu. Você será uma heroína.” Amaro empurrou seu peito contra a faca. Uma pequena mancha de sangue vermelho apareceu no tecido branco. “Vamos, faça. Liberte-nos aos dois.” Mariana olhou nos olhos de Amaro. Esperava ver os olhos de um monstro, de uma besta luxuriosa, mas viu os olhos de um homem cansado, quebrado, que preferia morrer antes de lhe fazer mal.

A mão de Mariana tremeu. A faca baixou alguns milímetros. “Não posso”, soluçou ela. “Não sou uma assassina.” “Então solte a faca”, sussurrou ele. “Porque, se você não me matar, ela nos matará a ambos de formas piores.” Mariana soltou a faca. O metal ressoou contra o chão de madeira. Ela caiu de joelhos, rompendo em um choro histérico, abraçando o ventre.

“Não quero, não quero”, repetia ela. Amaro agachou-se ao lado dela. Não a tocou. “Escute-me, senhorita Mariana. Escute-me bem.” Sua voz era urgente, conspiratória. “Eu não vou te tocar, nunca. Mas sua mãe está lá fora. Se não dermos o que ela quer, ela nos destruirá.” “Então, o que fazemos?” Amaro olhou para a porta.

Ocorreu-lhe uma ideia, uma mentira desesperada. “Grite”, disse ele. “Grite como se estivesse acontecendo. Grite e chore. Eu farei barulho com a cama. Moverei os móveis. Faremos ela acreditar que aconteceu.” “Mentir?” Mariana olhou-o com esperança. “E se ela perceber?” “Se não houver sangue, diremos que você é forte. E rezaremos. Rezaremos para que suas irmãs já carreguem a criança e sua mãe se esqueça de você.”

Naquela noite, a fazenda San Juan de la Cruz ouviu uma representação teatral do inferno. Mariana gritou e chorou, batendo na parede. Amaro fez ranger as velhas tábuas da cama. Lá fora, no corredor, Dona Bernarda sorriu satisfeita, acreditando que a rebeldia da filha havia sido quebrada pela força da natureza.

Não sabia que lá dentro duas vítimas estavam forjando um pacto de silêncio, sentados no chão, separados, esperando que o dia amanhecesse para sobreviver a mais um dia. O tempo passou. A mentira daquela noite comprou paz para Mariana, mas a verdade biológica não perdoa. Três meses após a morte do coronel, o corpo das mulheres começou a falar.

Uma manhã de junho, no café da manhã, Leonora desmaiou sobre seu prato de aveia. No dia seguinte, Elena teve que correr ao banheiro com náuseas violentas. E uma semana depois, Constanza notou que seus vestidos já não fechavam na cintura. Dona Bernarda reuniu as filhas na sala, colocou-as em fila e as examinou como um general revista suas tropas. Tocou seus ventres, olhou suas peles pálidas e depois começou a rir — uma risada seca, sem alegria, mas cheia de triunfo.

“Três”, disse Bernarda. “Três de cinco. Deus foi generoso.” Olhou para Beatriz e Mariana. Elas estavam magras, pálidas de medo, mas vazias. “Vocês duas”, disse a mãe com desprezo, “são inúteis, secas. Mas não importa. Com três temos bilhetes suficientes para a loteria.” Bernarda virou-se para a janela e gritou para o pátio: “Amaro!”.

O escravo que estava varrendo o alpendre parou. “Pode largar a vassoura!”, gritou a viúva. “Você já não é necessário! Volte para as senzalas dos porcos e dê graças por eu te deixar viver!” Amaro baixou a cabeça. Sentiu um alívio imenso, mas também um vazio aterrador. Havia terminado. Já não era o garanhão; agora era uma ponta solta, uma testemunha perigosa.

Lá dentro, a atmosfera mudou radicalmente. As três irmãs grávidas — Leonora, Elena e Constanza — foram isoladas do mundo. Bernarda inventou uma história de luto severo e doença contagiosa para que ninguém as visse. Trancou-as na ala oeste da casa. Começou a espera: 9 meses de calor, inchaço e segredos. As irmãs viam seus ventres crescerem com horror.

Não era um milagre da vida; era a prova viva de sua vergonha. Olhavam-se entre si e viam o mesmo pecado refletido três vezes. “O que acontecerá quando nascerem?”, perguntou Constanza uma noite, acariciando seu ventre avantajado. “De que cor serão? Amaro é muito escuro.” “Serão nossos”, disse Elena com ferocidade. “Têm o nosso sangue. E se nascerem escuros, mamãe terá que inventar uma mentira muito grande ou afogá-los no rio.”

Leonora, de seu canto, benzeu-se. “Que Deus nos perdoe. Estamos gerando monstros.” Mas não eram monstros; eram crianças e estavam prestes a chegar. A casa grande preparava-se para o nascimento múltiplo, enquanto Amaro, na senzala, afiava uma faca velha, sabendo que no dia em que esses bebês nascessem, sua vida valeria menos que o pó da fazenda — porque mortos não falam, e Bernarda de Antunes não deixava pontas soltas.

Janeiro de 1848 chegou a Veracruz não com frio, mas com um vento do norte que fazia chacoalhar as janelas da fazenda San Juan de la Cruz, como se os fantasmas do passado quisessem entrar. Lá dentro, a casa grande cheirava a ferro e vinagre: eram os cheiros do parto. Elena foi a primeira a cair.

Uma tarde, enquanto tentava costurar roupas de bebê com mãos inchadas, um grito rasgou sua garganta e a bolsa rompeu entre suas pernas, manchando o tapete persa que sua mãe tanto cuidava. “É a hora!”, gritou Dona Bernarda, assumindo o comando como um general no campo de batalha. Não chamaram um médico da cidade. Bernarda não podia arriscar que um homem de ciência visse três gravidezes simultâneas em uma casa sem homens.

Havia trazido uma parteira indígena da serra, uma mulher velha e cega de um olho chamada Nana Tula, a quem pagou com moedas de ouro e ameaças de morte se abrisse a boca. Levaram Elena para o quarto principal. As outras irmãs, Leonora e Constanza, com seus próprios ventres pesados e doloridos, ficaram no corredor ouvindo os gritos da irmã como se fossem seus próprios presságios.

O parto de Elena foi brutal. Durou 14 horas. 14 horas em que Elena amaldiçoou a mãe, amaldiçoou Amaro e amaldiçoou o dia em que nasceu mulher. Bernarda não se afastou da cama; limpava-lhe o suor com um pano frio, não por carinho, mas para mantê-la consciente. “Empurra, inútil!”, sibilava a mãe. “Empurra ou perderemos tudo!”

Finalmente, ao amanhecer, um choro agudo quebrou a tensão. Nana Tula levantou a criatura coberta de sangue. Bernarda lançou-se sobre o bebê antes mesmo que Elena pudesse vê-lo. “O que é?”, perguntou a viúva, com a voz tremendo pela primeira vez. Nana Tula limpou o entrepernas da criança. “É macho, patroa.

Um varão forte.” Bernarda soltou um suspiro que pareceu esvaziar seu corpo inteiro. Benzeu-se rapidamente. “Graças a meu Deus! Graças!” Mas depois veio a segunda inspeção, a mais perigosa. Bernarda levou a criança para a luz da janela. Limpou-a freneticamente com um lençol. Buscava a cor, buscava a marca do escravo.

O bebê tinha a pele avermelhada, enrugada, ambígua; tinha os cabelos escuros e ondulados, mas não crespos. Seus traços eram aceitáveis. “Parece-se com o avô”, decretou Bernarda, impondo sua verdade sobre a realidade biológica. “Tem o nariz dos Méndez, é branco. Vai clarear com os meses.” Elena, exausta e sangrando na cama, estendeu uma mão fraca. “Deixe-me vê-lo.”

Bernarda virou-se. Não lhe entregou a criança. Colocou-a em um berço de madeira do outro lado do quarto. “Descanse, filha. Você já fez o seu trabalho. Agora o menino é meu. Vai se chamar José Eusebio, como o avô.” Elena fechou os olhos e chorou. Não chorou de alegria. Chorou porque sabia que aquela criança nunca seria sua.

Era apenas o recibo de pagamento da dívida familiar. Mas a colheita não havia terminado. Duas semanas depois, Leonora entrou em trabalho de parto. Seu parto foi silencioso, aterrador. Leonora não gritava; rezava. Rezava para morrer. Mas seu corpo jovem, apesar do sofrimento, resistiu. Nasceu outro menino, outro varão.

Bernarda olhou para o segundo bebê com menos ansiedade, mas com a mesma frieza calculadora. Este era mais escuro. A pele tinha um tom canela inegável. “Este não”, murmurou Bernarda, franzindo a testa. “Este servirá de reserva caso o primeiro morra, mas não o mostraremos muito. Diremos que é doentio, que não pode pegar sol.” E uma semana mais tarde, Constanza, a sonhadora, deu à luz.

Foi um parto rápido. Nasceu uma menina. “Uma fêmea”, disse Bernarda com desprezo, nem sequer se incomodando em carregá-la. “Inútil, mas servirá para casá-la bem algum dia.” Assim, em menos de um mês, a fazenda San Juan de la Cruz tinha três novos habitantes: José Eusebio, o herdeiro oficial; o segundo menino, a reserva; e a menina. Três filhos de um mesmo pai escravo e três irmãs diferentes.

A casa encheu-se de choros de bebês, mas não havia alegria. As mães não amamentavam. Bernarda contratou amas de leite, escravas que foram proibidas de falar com as irmãs, para alimentar as crianças. Queria cortar o vínculo. Queria que aquelas crianças esquecessem de que ventre vinham e apenas soubessem que pertenciam à dinastia Méndez.

Com o herdeiro varão assegurado e registrado com papéis falsos que custaram uma fortuna em subornos ao juiz de paz, Dona Bernarda respirou tranquila pela primeira vez em um ano. A fazenda estava salva, mas restava uma ponta solta. Uma ponta solta que respirava, caminhava e conhecia o segredo mais obscuro da família.

Na senzala, Amaro sabia que seu tempo estava se esgotando. Havia ouvido os choros dos bebês lá do pátio. Sabia que haviam nascido e sabia o que aquilo significava. A promessa de liberdade de Dona Bernarda — “te darei ouro e você irá para longe” — era uma mentira. Ele sabia disso em seus ossos. Uma mulher capaz de prostituir as próprias filhas não ia deixar vivo a única testemunha de seu crime.

Naquela noite, o novo capataz, um homem brutal chamado Mendoza, veio buscá-lo. “A senhora te chama”, disse Mendoza com um sorriso torto, cuspindo tabaco no chão. “Diz para você ir ao escritório receber o seu prêmio.” Amaro olhou para Mendoza. Viu a faca longa em seu cinto. Viu dois guardas esperando na sombra atrás da esquina. “Não é um prêmio”, pensou Amaro. “É uma execução.”

“Vou”, disse Amaro levantando-se do catre. Vestiu sua camisa. Não tinha mais nada, nem sapatos nem armas. Caminhou em direção à casa grande. A lua estava oculta por nuvens negras. Ao passar perto da cozinha, viu uma sombra pequena agachada entre os arbustos. Era Mariana, a irmã caçula. Mariana fez-lhe um gesto desesperado de silêncio e lançou-lhe algo: um objeto pequeno e pesado embrulhado em um trapo.

Amaro pegou-o no ar. Desenrolou-o disfarçadamente enquanto caminhava. Era a velha faca de cozinha enferrujada, a mesma com que ela ameaçara se matar meses atrás. E, junto à faca, um papel amassado com uma única palavra escrita a carvão: “CORRE”. Amaro sentiu um nó na garganta.

A menina sabia. A menina queria salvá-lo. Chegou à escada do escritório. Mendoza ia atrás dele, perto demais. “Suba, negro”, empurrou Mendoza. “A viúva espera.” Amaro subiu o primeiro degrau. Sua mente trabalhava a mil por hora. Se entrasse naquele escritório, não sairia. Matariam-no ali mesmo ou lhe dariam vinho envenenado? Ou talvez Bernarda simplesmente desse a ordem e Mendoza lhe cortaria o pescoço pelas costas.

Amaro parou no terceiro degrau. “O que foi?”, rosnou Mendoza. “Tem medo de ficar rico?” “Não”, disse Amaro, virando-se lentamente. “Tenho medo de morrer pobre.” Em um movimento explosivo, Amaro tirou a faca enferrujada do trapo e lançou-se para baixo, não para cima. Mendoza, que esperava submissão, não viu o ataque chegar. Amaro não tentou esfaqueá-lo.

Usou o cabo da faca para golpear a têmpora do capataz com toda a força de sua desesperação. Crack! Mendoza caiu rolando pelas escadas, atordoado. “Peguem-no!”, gritou Mendoza do chão, sangrando. Os dois guardas saíram das sombras desembainhando facões. Amaro não lutou. Correu. Correu como nunca havia corrido em sua vida.

Não correu para a porta principal, que estaria vigiada. Correu para os canaviais, para a escuridão infinita da plantação. “Ele escapa!”, gritou Dona Bernarda da sacada do escritório ao ouvir o alvoroço. Saiu para o parapeito vestida de preto, vendo como seu segredo corria em direção à liberdade.

“Matem-no! Soltem os cães! Que não chegue ao rio!” Os latidos dos mastins romperam a noite. Eram cães treinados para caçar escravos fugitivos, cães que farejavam o medo. Amaro adentrou na cana alta. As folhas afiadas cortavam-lhe o rosto e os braços. Enquanto corria às cegas, ouvia os latidos se aproximando, ouvia os gritos dos homens a cavalo.

Seu coração bombeava sangue quente, gritando-lhe para que vivesse. Tinha que chegar ao rio Papaloapan. Se cruzasse a água, o rastro se perderia. Se chegasse às montanhas, poderia encontrar os quilombolas. Mas o rio estava longe e os cães estavam perto. De repente, o chão desapareceu sob seus pés. Amaro caiu em uma vala de irrigação, torcendo o tornozelo.

A dor foi aguda, cegante. Tentou levantar-se, mas a perna falhou. Ouviu arquejos. Virou-se. Dois olhos amarelos brilhavam na escuridão a poucos metros. O primeiro cão, um mastim enorme, babando, pronto para atacar. Amaro apertou a faca enferrujada de Mariana em sua mão. “Venha”, sussurrou Amaro, voltando a ser o homem que sobrevivera à noite dos turnos.

“Venha por mim, mas esta noite alguém vai sangrar, e não serei apenas eu.” O cão saltou. Da janela do seu quarto, Mariana olhava para os campos escuros, chorando em silêncio. Ouviu os latidos, ouviu um grito humano e depois silêncio. Não sabia se Amaro havia morrido ou escapado, mas sabia que, acontecesse o que acontecesse, a sombra daquela noite perseguiria a família Méndez por gerações.

O pai de seus sobrinhos, o homem que as vira quebradas, havia partido, mas deixara para trás algo mais que filhos. Deixara uma maldição. Na manhã seguinte, Bernarda desceu para o café da manhã com um sorriso tranquilo. Mendoza trouxera-lhe uma camisa ensanguentada encontrada na vala. “Está feito”, disse a viúva tomando seu café. “O assunto está encerrado.

Hoje batizamos José Eusebio. Coloquem-lhe o traje de renda.” As irmãs não perguntaram. Comeram em silêncio, olhando para seus pratos, enquanto o choro do novo herdeiro ressoava na casa como um eco que nunca se apagaria. Mas Elena, enquanto olhava para a mãe, acariciou discretamente uma faca de mesa.

A semente do ódio havia germinado e logo Dona Bernarda descobriria que eliminar o pai não apagava o pecado, apenas o tornava mais perigoso. Passaram-se 20 anos. A fazenda San Juan de la Cruz sobreviveu à falência. Os campos de cana-de-açúcar expandiram-se, devorando a selva circundante. A casa grande foi pintada novamente, brilhando sob o sol de Veracruz como um monumento à pureza e ao sucesso.

Mas, por dentro, a casa estava podre. O milagre de Dona Bernarda, o menino José Eusebio, havia crescido. Agora era um homem de 20 anos, alto, de cabelos escuros e encaracolados e olhos negros que olhavam o mundo com desprezo. Era o senhor absoluto e era um monstro. José Eusebio não sabia a verdade sobre sua origem. Acreditava ser um Méndez puro, neto de conquistadores e, para provar seu sangue, tornara-se o patrão mais cruel da região.

Uma tarde no pátio principal, José Eusebio levantou o chicote. “Trabalhe mais rápido, animal!”, gritou, golpeando as costas de um velho escravo que tropeçara com uma carga de lenha. Da galeria, cinco mulheres observavam a cena vestidas de preto, como corvos mudos pousados em um galho.

Eram as irmãs Antunes, ou o que restava delas. Elena, a mãe biológica de José Eusebio, apertou o parapeito até que seus nós dos dedos estalassem. Via o filho golpear um homem que tinha a mesma cor de pele que seu verdadeiro pai. A ironia era tão amarga que lhe queimava a garganta como ácido. “Ele se parece com ele”, sussurrou Constanza, que estava ao seu lado, murcha e prematuramente envelhecida.

“Tem os ombros de Amaro e a fúria da mamãe.” “Cale-se!”, siseou Elena. “Se alguém te ouve…” “O que importa?”, disse Leonora, que segurava um rosário e olhava para o vazio com olhos de louca. “Já estamos mortas, irmãs. Só esqueceram de nos enterrar.” Dona Bernarda, agora uma anciã de 62 anos, estava sentada em sua cadeira de vime observando o neto com orgulho.

Não lhe importava a crueldade dele; importava-lhe que era um homem, que era forte e que a fazenda carregava o seu nome. Havia vencido. Mas a vitória de Bernarda tinha um preço que ela não esperava pagar em vida: o medo. Desde a noite da fuga de Amaro, Bernarda não dormira tranquila. Nem uma única vez. Mendoza trouxera-lhe uma camisa ensanguentada.

Sim, mas nunca encontraram o corpo, nunca encontraram os ossos. Bernarda dizia a si mesma que os cães o haviam devorado ou que o rio o levara para o mar. Mas nas noites de vento, quando as canas assoviavam, Bernarda acreditava ouvir passos — passos pesados, arrastados — e sentia um olhar em sua nuca.

A saúde da matriarca começou a falhar. Primeiro foi a visão, depois as pernas. Finalmente, ficou prostrada na cama, no mesmo quarto onde planejara seu crime 20 anos atrás. A agonia de Dona Bernarda foi lenta. Dizem os servos que ela gritava em sonhos, gritava nomes. “Não deixem que ele entre!”, berrava na escuridão. “Ele vem me buscar.

O negro vem me buscar!” Suas filhas revezavam-se para cuidar dela, não por amor, mas por obrigação e, talvez, por um obscuro desejo de vê-la sofrer. Em uma noite de tempestade, muito parecida com aquela primeira noite dos turnos, coube o plantão a Mariana. Mariana tinha agora 35 anos, nunca se casou. Ficara na fazenda como uma solteirona com a reputação de ser estranha.

Era a única que não dera à luz, a única que não carregava a marca física do pecado, mas carregava o fardo do segredo da fuga. Mariana estava sentada ao lado da cama da mãe, lendo um livro à luz de uma vela. Bernarda acordou sobressaltada, com os olhos arregalados. “Ele está aqui”, arquejou a anciã, apontando para o canto escuro do quarto.

“Eu o vi, ele está na janela.” Mariana olhou para a janela. Havia apenas chuva e noite. “Não há ninguém, mãe. É a febre.” “É ele!”, insistiu Bernarda, agarrando o pulso de Mariana com suas garras ossudas. “Amaro veio cobrar. Diga a ele para ir embora. Diga que lhe dei a alforria.” Mariana olhou para a mulher que destruíra suas vidas.

Olhou para a mãe que as vendera como gado. E, naquele momento, Mariana decidiu que era hora de retribuir o golpe. Inclinou-se sobre a cama, aproximando os lábios do ouvido da anciã. “Mãe”, sussurrou Mariana com voz suave. “Quer saber a verdade?” Bernarda parou de tremer e olhou para ela, aterrorizada.

“Que verdade?” “A camisa”, disse Mariana. “A camisa que Mendoza trouxe há 20 anos. O sangue não era de Amaro, era do cão.” Os olhos de Bernarda abriram-se tanto que pareceram prestes a estourar. “O quê?” “Amaro matou o cão, mãe, e partiu. Eu o vi. Eu lhe dei a faca.” Bernarda tentou falar, tentou gritar, mas o ar ficou preso em sua garganta.

“Ele está vivo”, continuou Mariana, cravando cada palavra como uma estaca. “Está vivo em algum lugar e sabe. Sabe que tem um filho aqui, sabe que José Eusebio é dele. E talvez… talvez estivesse esperando que a senhora estivesse assim, velha e sozinha, para voltar.” “Não!”, gorgolejou Bernarda, levando a mão ao peito.

“Olhe para a janela, mãe!”, sussurrou Mariana apontando para a escuridão. “Não vê aquela sombra? Não vê aqueles olhos? Ele veio pelo filho dele e por você.” Foi demais. O coração podre de Dona Bernarda de Antunes, que resistira a dívidas, mortes e crimes, não resistiu ao terror. Deu um último solavanco violento, arqueou as costas e caiu morta sobre os travesseiros, com os olhos abertos, fixos na janela vazia, congelados em uma expressão de horror eterno.

Mariana ficou olhando-a por um momento. Depois, com calma, fechou-lhe os olhos. “Descanse no inferno, mamãe”, disse ela. Levantou-se, apagou a vela e saiu do quarto deixando a porta aberta. A morte da matriarca não libertou a fazenda; terminou de condená-la. José Eusebio, sem a mão firme da avó, tornou-se errático. Bebia demais, jogava cartas apostando terras e tinha ataques de fúria que ninguém entendia.

As irmãs, uma a uma, foram desaparecendo. Leonora morreu de tísica dois anos depois. Constanza suicidou-se atirando-se no rio Papaloapan, incapaz de suportar ver a própria filha — a menina que nasceu depois de José — casada à força com um sócio comercial de José Eusebio. Restaram apenas Elena e Mariana. Um dia, José Eusebio, bêbado e furioso por uma má colheita, entrou na sala onde Elena bordava.

“Tudo isto é culpa de vocês!”, gritou ele. “Mulheres inúteis, bruxas secas! Eu deveria jogar todas vocês na rua!” Elena, cansada de 20 anos de silêncio, levantou-se. Olhou para o monstro que parira, olhou seus olhos negros, sua pele morena tostada pelo sol, suas mãos grandes. “Tenha respeito”, disse Elena. “Sou sua mãe.”

“Você não é minha mãe!”, riu ele. “Minha mãe foi uma santa que morreu ao me parir. Você é minha tia solteirona.” Elena sorriu. Um sorriso quebrado, terrível. “Uma santa… Sua mãe foi uma vítima, José. E seu pai…” “Cale-se!”, gritou ele. “Seu pai não foi um fidalgo espanhol”, disse Elena, soltando a verdade como quem solta uma granada. “Seu pai foi um escravo, um negro chamado Amaro a quem obrigaram a entrar em minha cama.

Você é filho de um escravo, José. Você é o que mais odeia.” O silêncio que se seguiu foi absoluto. José Eusebio ficou pálido, depois vermelho, depois violeta. “Você mente!”, sussurrou ele. “Olhe-se no espelho”, disse Elena. “Olhe seu cabelo. Olhe seu nariz. Olhe suas mãos. Você é ele.” José Eusebio sacou a pistola. Não podia aceitar a verdade.

Seu mundo construído sobre a supremacia de seu sangue desmoronava. “Mente!”, gritou ele e disparou. Elena caiu morta sobre o tapete, com um sorriso de paz nos lábios. Finalmente havia dito a verdade. Mariana, que entrara ao ouvir as vozes, viu a irmã cair. Viu o sobrinho com a pistola fumegante, tremendo, olhando para as próprias mãos escuras com horror.

José Eusebio fugiu naquela mesma noite. Dizem que enlouqueceu. Dizem que não conseguia suportar a própria pele. Adentrou na selva gritando, tentando fugir do próprio sangue. Nunca mais se soube dele. Alguns dizem que se matou, outros que se uniu a um bando de foras da lei, ocultando o rosto para sempre. A fazenda San Juan de la Cruz ficou abandonada.

Sem senhor, sem herdeiros, os escravos fugiram ou tomaram as terras para cultivar suas próprias hortas. Mariana foi a última a partir. Antes de marchar, ateou fogo à casa grande. Viu arder o escritório onde se firmou o pacto. Viu arder o quarto de costura onde perderam a inocência.

Viu arder as cortinas de veludo e os livros de contas. Quando o fogo consumiu o telhado, Mariana deu meia-volta e caminhou em direção à liberdade, levando consigo apenas seu rosário e a velha faca enferrujada que uma vez salvou a vida de Amaro. Hoje, se você for a Veracruz, perto da bacia do Papaloapan, encontrará ruínas de pedra negra devoradas pela vegetação.

Os locais não se aproximam dali à noite. Dizem que o lugar tem má memória. Contam que, nas noites de lua cheia, ouvem-se cinco vozes de mulher chorando no vento e, às vezes, apenas às vezes, vê-se a sombra de um homem alto e forte com um machado na mão, vigiando as ruínas, esperando eternamente pelos filhos que nunca conheceu.

O sangue secou, o fogo apagou, mas o eco da noite dos turnos continua ressoando na terra, lembrando-nos que não há herança mais pesada que um segredo de família enterrado sem perdão.