O cenário político e jurídico do Brasil atravessa um momento de transformação sem precedentes, onde as cortinas dos bastidores do poder estão sendo abertas de forma irreversível. O que outrora era debatido apenas em jantares reservados em Brasília ou em conversas cifradas nos corredores do Supremo Tribunal Federal (STF), agora transborda para o debate público com uma força avassaladora. Recentemente, uma transmissão ao vivo em um dos maiores canais de notícias do país serviu como palco para um embate que simboliza o atual estado de tensão entre as instituições e a sociedade: o confronto intelectual entre a necessidade de limites éticos e a resistência interna das altas cortes.

Este fenômeno não é apenas uma disputa de narrativas jornalísticas; é o reflexo de uma crise institucional profunda. Quando jornalistas como Malu Gaspar e Andréia Sadi — figuras centrais na cobertura do poder — divergem abertamente sobre a conduta de magistrados, fica claro que o “pacto de silêncio” que muitas vezes protegeu o Judiciário está ruindo. O cerne da questão é a proposta de um Código de Conduta, uma iniciativa que, embora pareça protocolar, carrega em si o potencial de implodir privilégios históricos e expor conexões que o público mal consegue imaginar.

O “Freio de Arrumação” de Edson Fachin e a Resistência Interna

O ministro Edson Fachin, ao assumir a presidência da corte, levantou uma bandeira que muitos de seus pares consideraram inconveniente: a autorregulação. Inspirado pelo rigoroso modelo alemão, Fachin propôs que o STF adotasse diretrizes claras sobre o que um ministro pode ou não fazer fora dos tribunais. No entanto, o momento escolhido para essa “ofensiva ética” não poderia ser mais delicado. A proposta surge justamente quando o tribunal se vê mergulhado em polêmicas que envolvem desde o uso de jatinhos privados por magistrados até contratos milionários de consultoria advocatícia firmados por cônjuges de ministros.

Ministro Edson Fachin assume na segunda-feira a Presidência do Supremo e do  CNJ | AMAERJ

A recepção interna foi gélida. Relatos de bastidores indicam que a iniciativa de Fachin foi vista por alguns colegas como um “fustigamento” desnecessário, uma tentativa de expor a corte em um momento de vulnerabilidade. Mas a pergunta que ecoa na sociedade é: por que a transparência é vista como uma ameaça? A resposta parece estar na zona cinzenta onde o interesse público e as relações privadas se confundem. O conceito de “auto-exame”, pregado por Fachin, bate de frente com uma cultura institucional que, por décadas, se acostumou a uma espécie de onipotência, onde o escrutínio era algo reservado apenas aos outros poderes.

A Conexão Europeia: Eventos de Luxo e o Lobby Invisível

Um dos pontos mais sensíveis levantados no debate jornalístico foi a realização de eventos luxuosos em capitais europeias, como Roma, Londres e Lisboa. Estes seminários, muitas vezes patrocinados por empresas que possuem interesses bilionários em julgamentos no STF, criam um ambiente propício para o que especialistas chamam de “lobby de proximidade”. Fora do olhar atento do povo brasileiro, magistrados e advogados de grandes conglomerados convivem em ambientes de alto padrão, em uma simbiose que coloca em xeque a imparcialidade necessária para o exercício da magistratura.

Malu Gaspar foi enfática ao questionar o “solene silêncio” que impera quando se pergunta quem financia essas viagens. A falta de respostas objetivas sobre o custeio de passagens e hospedagens de luxo não é apenas um detalhe administrativo; é um desrespeito à democracia. Em um país onde o Judiciário cobra — e com razão — transparência absoluta sobre as emendas parlamentares do Congresso, a recusa em abrir as próprias contas soa como uma contradição hipócrita que corrói a autoridade moral da instituição.

O Espelho Alemão e a Realidade Brasileira

A comparação com o Tribunal Constitucional Alemão serve para mostrar que a exigência de conduta não é uma “perseguição”, mas um padrão civilizatório. Na Alemanha, as regras para palestras são rigorosas: há tabelas de valores, limites de temas e uma transparência cristalina sobre quem paga o quê. No Brasil, o mercado de palestras jurídicas tornou-se um universo paralelo, onde cifras astronômicas circulam sem que o público saiba se aquele pagamento é por um conhecimento acadêmico ou por um acesso privilegiado.

Além disso, a questão da “quarentena” é outro ponto de atrito. Enquanto em democracias consolidadas um magistrado de alta corte enfrenta restrições severas ao deixar o cargo para evitar que venda seu prestígio e informações privilegiadas no setor privado, no Brasil a transição entre a toga e os grandes escritórios de advocacia é muitas vezes imediata e lucrativa. Essa fluidez entre o público e o privado alimenta a percepção de que a justiça tem um lado, e esse lado raramente é o do cidadão comum.

O Caso do Banco Master e a Dualidade da Justiça

O debate público também trouxe à tona casos específicos que geram um desconforto profundo. A menção a contratos de R$ 9 milhões e menções a valores que chegam a R$ 129 milhões envolvendo familiares de ministros coloca o STF em uma posição defensiva. O contraste é inevitável: enquanto a Operação Lava Jato foi anulada sob o argumento de que conversas entre juízes e promotores feriram a imparcialidade do processo, casos atuais de proximidade financeira e familiar parecem ser tratados com uma normalidade perturbadora pelas instâncias superiores.

Essa dualidade cria uma sensação de insegurança jurídica. Se o rigor da lei muda conforme o sobrenome do envolvido ou o peso do escritório de advocacia que o representa, o conceito de “igualdade perante a lei” torna-se uma ficção jurídica. A crítica de figuras como Ana Paula Henkel e outros analistas independentes foca justamente nisso: a percepção de que o sistema de justiça brasileiro se tornou um mecanismo de blindagem para uns e de punição severa para outros, dependendo do alinhamento político ou financeiro.

O Clima de Bastidores e a Fragmentação da Corte

O STF, que já foi um colegiado coeso em momentos de crise nacional, hoje parece uma colcha de retalhos de interesses divergentes. O pós-8 de janeiro, que inicialmente uniu os ministros sob a bandeira da defesa institucional, deu lugar a uma disputa de influência interna. A proposta de Fachin revelou que não há mais consenso sobre como a corte deve se apresentar ao mundo. De um lado, ministros que defendem a abertura e a ética; de outro, aqueles que se sentem fustigados por qualquer tentativa de controle.

STF decide sobre redes sociais; entenda novas regras - 26/06/2025 - Poder -  Folha

Essa divisão é perigosa para a democracia. Um tribunal dividido e sob constante suspeição perde sua função primordial de pacificador social. Quando a “regra não é clara”, como apontado por jornalistas, abre-se espaço para interpretações subjetivas e decisões que parecem mais políticas do que jurídicas. A exposição dos bastidores pela imprensa não é um ataque à instituição, mas um serviço necessário para que a própria instituição se cure de seus excessos.

O Papel do Legislativo e o Clamor por Justiça

Enquanto a crise interna no STF se desenrola, o Congresso Nacional torna-se a caixa de ressonância da insatisfação popular. Parlamentares têm utilizado a tribuna para denunciar o que chamam de “ditadura de toga”, onde as liberdades individuais seriam sacrificadas no altar da conveniência política. O caso de Felipe Martins, mencionado como um exemplo de “decisão sádica” e distorção de provas, ilustra o nível de animosidade entre os poderes.

A sensação de que “não há mais a quem recorrer” quando o próprio Judiciário é percebido como injusto é o combustível para movimentos de rua e para uma polarização que não dá sinais de trégua. Os advogados, segundo relatos inflamados no parlamento, teriam medo de exercer sua profissão com plenitude por receio de perseguições. Se a advocacia se cala por medo, a democracia já está na UTI.

Conclusão: A Necessidade de um Novo Pacto Ético

O Brasil não pode permitir que sua mais alta corte de justiça se transforme em um enclave de privilégios e opacidade. O debate provocado por jornalistas corajosos e pela proposta do ministro Fachin é o início de um processo doloroso, mas necessário. A transparência não é um castigo; é o preço da autoridade em uma república.

O respeito ao STF é fundamental para a estabilidade do país, mas esse respeito não pode ser imposto por decreto ou por censura. Ele deve ser conquistado através da integridade, da prestação de contas e da humildade institucional. O tempo do “poder absoluto” acabou. A sociedade brasileira, conectada e vigilante, exige que aqueles que julgam também se submetam ao julgamento da ética e da transparência. Sem limites, o poder corrompe; com transparência, ele se legitima. O futuro da democracia brasileira depende de qual desses caminhos o Supremo Tribunal Federal escolherá seguir daqui em diante.