O cenário político brasileiro, já habituado a reviravoltas dramáticas, acaba de ganhar um novo capítulo que mistura estratégia jurídica, ambições familiares e a sombra constante do Judiciário. A recente autorização concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para que o ex-presidente Jair Bolsonaro conceda uma entrevista exclusiva ao portal Metrópoles, disparou um alerta vermelho no núcleo duro do bolsonarismo. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, o conflito não vem de fora, mas sim de dentro das paredes da própria residência e dos escritórios de advocacia que defendem o ex-mandatário.

Moraes autoriza Bolsonaro a conceder entrevista exclusiva da prisão - A  Crítica de Campo Grande

De um lado, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e a equipe jurídica de defesa posicionam-se terminantemente contra a exposição mediática. Do outro, o senador Flávio Bolsonaro, o “01”, atua como o principal entusiasta da conversa. O que está em jogo não é apenas uma declaração pública, mas a própria sobrevivência política e jurídica de um clã que se vê diante de um tabuleiro de xadrez onde qualquer movimento em falso pode ser fatal.

O Temor Jurídico: A Máxima do Tribunal

Para os advogados de Jair Bolsonaro, a entrevista é vista como um campo minado. A lógica é simples e quase cinematográfica: “Tudo o que ele disser poderá e será usado contra ele no tribunal”. Diferente de um palanque político, onde o improviso é a ferramenta principal, o ambiente jurídico exige silêncio ou cautela extrema, especialmente quando processos graves ainda tramitam no STF.

Existem investigações em curso que tratam de temas sensíveis, como a suposta coação no curso do julgamento e os desdobramentos dos atos de 8 de janeiro. Para a defesa, o risco de Bolsonaro “escorregar na banana” — como se diz popularmente — é altíssimo. O ex-presidente é conhecido por sua impulsividade e por um estilo retórico que, se por um lado agita a base eleitoral, por outro fornece munição valiosa para a acusação. Os advogados temem que, ao tentar se vitimizar ou atacar instituições, ele acabe produzindo provas contra si mesmo ou agravando sua situação penal.

Além disso, há o pedido de prisão domiciliar em caráter humanitário. A estratégia da defesa tem sido focar na fragilidade da saúde do ex-presidente, que deve passar por uma nova cirurgia em breve. Uma entrevista onde ele apareça vigoroso, exaltado ou “subindo nas tamancas”, como descrevem observadores próximos, poderia minar o argumento de que ele não tem condições de permanecer em regime fechado na superintendência da Polícia Federal.

Michelle Bolsonaro: A Disputa pelo Espólio Político

Se para os advogados a preocupação é a liberdade de Bolsonaro, para Michelle o problema parece ser o capital político. A ex-primeira-dama, que tem sido ventilada como uma potencial candidata à presidência ou vice-presidência em 2026, vê na entrevista um risco direto às suas pretensões.

O grande receio de Michelle é que Bolsonaro utilize o microfone para ungir oficialmente Flávio Bolsonaro como seu sucessor político. Se o ex-presidente declarar, “de viva voz”, que seu apoio total vai para o filho primogênito, Michelle fica automaticamente escanteada. No “rebanho bolsonarista”, a vontade do patriarca é lei. Caso ela tente contestar essa decisão posteriormente, estaria indo contra o próprio marido, o que destruiria sua imagem perante a base conservadora.

A tensão familiar é evidente. Enquanto Flávio precisa dessa confirmação para consolidar seu nome perante o Centrão e o núcleo duro do movimento, Michelle prefere o silêncio do marido, que permite que o seu nome continue circulando como uma alternativa viável e carismática.

A Estratégia de Flávio e o Olhar do Centrão

Para o senador Flávio Bolsonaro, a entrevista é a peça que falta para selar seu destino em 2026. O Centrão, bloco partidário que domina o Congresso, já começa a aceitar a ideia de que Flávio não abrirá mão da candidatura. No entanto, para que esse apoio se materialize de forma irreversível, é necessário o “selo de garantia” do pai.

Flávio acredita que a fala do ex-presidente pode manter o capital político sob o sobrenome da família, evitando que outras lideranças da direita, como Tarcísio de Freitas, acabem herdando os votos sem dar as devidas contrapartidas ao clã. É uma jogada de risco alto: ele aposta na força da voz do pai para garantir o seu futuro, mesmo que isso custe noites de sono aos advogados.

O “Rito de Normalidade” de Alexandre de Moraes

Um ponto que chama a atenção neste episódio é a rapidez e a natureza da autorização dada pelo ministro Alexandre de Moraes. Críticos e aliados de Bolsonaro costumam apontar arbitrariedades, mas observadores jurídicos notam que Moraes seguiu o rito padrão para qualquer detento do sistema prisional brasileiro.

Para entrevistar alguém sob custódia, é necessária a autorização do juiz de execução penal. Ao conceder a permissão, Moraes remove o argumento da “censura” e coloca a responsabilidade inteiramente nos ombros de Bolsonaro. É uma jogada magistral de xadrez jurídico: ao permitir que ele fale, o magistrado retira o véu de “vítima silenciada” e deixa que o próprio ex-presidente dite o ritmo de sua defesa — ou de sua queda.

US scraps Justice Alexandre de Moraes and wife from Magnitsky Act list |  Agência Brasil

Faz-se aqui um paralelo inevitável com o caso do presidente Lula em Curitiba. Na época, a luta judicial para conseguir uma entrevista foi longa e árdua, chegando até o STF. No caso atual, a manutenção de Bolsonaro na Superintendência da Polícia Federal em Brasília segue a chamada “jurisprudência Lula”, garantindo que todas as assistências legais e médicas sejam cumpridas para evitar qualquer narrativa de maus-tratos.

O Papel do Portal Metrópoles e o Fator Malafaia

A escolha do veículo também não foi por acaso. Informações de bastidores sugerem que houve um pensamento estratégico na escolha do Metrópoles. O pastor Silas Malafaia, figura influente no entorno da família, teria reforçado que o portal possui um alcance massivo e um público que transita entre diferentes espectros políticos, o que seria ideal para a “vitimização estratégica” que Bolsonaro pretende realizar.

A expectativa é que o ex-presidente tente mostrar fragilidade física devido à cirurgia, ao mesmo tempo em que reafirma sua liderança política. Contudo, como bem sabem os profissionais que já o entrevistaram, Bolsonaro é uma figura difícil de domar. Treinamentos de mídia (media training) raramente funcionam com ele por muito tempo. Em uma entrevista de longa duração, a impulsividade costuma assumir o controle.

Conclusão: Um Fim de Ano em Ebulição

Estamos diante de um momento definidor. Se a entrevista ocorrer no dia 23, como planejado, o Brasil poderá testemunhar ou a consolidação de Flávio Bolsonaro como o herdeiro do trono, ou o colapso de uma estratégia de defesa que levou meses para ser construída.

Michelle Bolsonaro sabe que o silêncio é seu aliado; Flávio sabe que a palavra é seu poder; e os advogados sabem que cada frase pode ser um passo em direção à liberdade ou à condenação definitiva. No centro de tudo, Jair Bolsonaro enfrenta o seu maior dilema: falar para a história ou calar-se para a justiça.

O desfecho dessa queda de braço familiar promete ecoar muito além das festas de fim de ano, moldando o cenário de 2026 e os próximos passos do Supremo Tribunal Federal.