Por ser imensa, herança deixada por Preta Gil é difícil de mensurar; entenda

Legado da cantora, que morreu aos 50 anos, influencia direta e indiretamente a vida de muitas pessoas

A cantora Preta Gil — Foto: Léo Martins/Agência O Globo

Na edição da última segunda-feira, dia seguinte ao anúncio da partida de Preta Gil deste plano, o “Jornal Nacional’’ trouxe uma reportagem sobre o aumento dos casos de câncer colorretal no país, mesma doença que afetou a artista de 50 anos. Especialistas pontuaram as possíveis causas e os caminhos para a prevenção, destacando a importância da realização de exames como a colonoscopia. A matéria de extrema relevância foi ao ar porque a morte da cantora, que compartilhou com o público toda a sua luta nos últimos anos, acendeu um alerta e tocou profundamente a todos. Mesmo não estando mais presente fisicamente, Preta segue marcando a história, assim como fez ao longo de toda a sua passagem por aqui. “Enquanto eu estiver viva, quero viver’’ era o seu lema. Haveria herança maior para deixar do que ter vivido feliz e sendo fiel às coisas em que acreditava?

Uma legião de gente endossa como Preta fez diferença na trajetória daqueles com quem cruzou. E não falo apenas dos parentes e amigos que tiveram a oportunidade de participar de sua intimidade. Vários deles se manifestaram, comovidos, mostrando como ela era uma pessoa verdadeiramente dedicada aos seus. Mas reparei também naqueles que se sentiram abraçados por ela indiretamente ao longo do tempo: as mulheres ignoradas ou atacadas por estarem fora dos padrões impostos, os negros e periféricos, a comunidade LGBTQIA+. Preta foi precursora e jogou luz sobre muitas pautas e debates que hoje têm algum espaço, mas que antes eram invisíveis. Até por isso, em algum momento foi criticada e ridicularizada. Mas não cedia quando sabia estar certa.

Era uma Preta de muitas cores, muitas nuances, aberta ao mundo. As entrevistas dadas ao longo da carreira traduzem bem isso. Durante sua caminhada, preservou a inquietude por conhecer, trocar, mudar… De cidade, de atividade profissional, de namorado, de estilo… Nunca aceitou ser resumida a uma coisa só. Assim, foi muitas! E o mais importante: foi honesta com ela. Consequentemente, foi honesta com o mundo.

Sua gana por não se abandonar me fez pensar numa conversa de esquina despretensiosa, mas profunda, que rolou nesta semana entre amigos. A colega fez uma analogia de nossas vidas com o aviso de segurança que ouvimos ao embarcar em aviões e diz mais ou menos assim: “Em caso de despressurização, máscaras vão cair. Vista primeiro a sua para depois ajudar outras pessoas’’. Parece viagem, mas… Que contribuição podemos dar se não estivermos vivendo em plenitude, devidamente oxigenados para podermos ser apoio e âncora de alguém, a mão estendida? Pelo tanto que deu, Preta recebeu de volta essas mãos até o instante final.

Ela teve altos e baixos, chorou e sorriu, com boa parte de sua história sendo acompanhada por um país inteiro. Nunca romantizou os momentos mais pesados, ciente de que outras pessoas enfrentavam o mesmo problema sem ter a mesma oportunidade que ela de fazer um tratamento digno. Sem medo de mostrar suas fragilidades, no entanto, foi uma incansável perseguidora da felicidade. E não há maior demonstração de amor à vida do que isso, ainda que às vezes seja muito difícil. Preta deixou a lição de persistir.

Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: [email protected]